São Paulo, terça, 2 de junho de 1998

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CLÓVIS ROSSI

Em busca do jogo que a seleção "escondeu"

O repórter do jornal espanhol "El País" saiu do San Mamés, o estádio de Bilbao em que a seleção brasileira empatou com o Athletic, em dúvida se o Brasil "é assim" ou apenas "se escondeu" no amistoso.
Suspeito que essa dúvida esteja na cabeça de todos os torcedores brasileiros. Parece inacreditável que um time que tem, entre outras coisas, os dois jogadores eleitos os melhores do mundo (Ronaldinho e Roberto Carlos), para não mencionar um lote grande de outros, se limite a esse futebolzinho de quinta mostrado no San Mamés.
Diz "El País": "O Brasil se escondeu muito tempo em Bilbao. Escondeu sobretudo sua capacidade ofensiva, ontem indolente e demasiado previsível".
No fundo, era a mesma inquietação que Juca Kfouri exibia, à noite, no programa "Cartão Verde" (TV Cultura). Como explicar que jogadores como os já citados Ronaldo e Roberto Carlos, mais Giovanni, Rivaldo, Denílson, Edmundo e cia., não joguem na seleção um décimo do que jogaram por seus clubes na temporada que passou?
A resposta fácil é culpar Zagallo. Mas pode não ser a melhor resposta. Afinal, o pressuposto nela embutido é o de que todos os técnicos dos clubes em que jogam os atletas citados são brilhantes o suficiente para explorar melhor o talento deles. E Zagallo seria, por extensão, o único incompetente, que tem ouro nas mãos e dele tira só pedras.
Fosse assim mesmo, a solução seria simples: trocar Zagallo por qualquer outro técnico e ponto final. Por mais traumático que pareça, na antevéspera da estréia na Copa, pelo menos serviria para injetar sangue novo, o que, nos clubes, em geral dá certo, ao menos inicialmente.
É raro o caso de técnico novo que na estréia e nos primeiros jogos subsequentes não consiga resultados algo melhores que seu antecessor, em especial se tem nas mãos um elenco pelo menos razoável. E o da seleção, mais que razoável, é excelente.
Tanto é assim que o teor de polêmica em torno da convocação foi baixo desta vez. Pode-se criticar Doriva, por exemplo, e lamentar a ausência de Zé Elias. Mas, no todo, não há muito mais a tirar ou acrescentar aos 22 nomes relacionados por Zagallo.
O problema aí são dois: primeiro, falta coragem à CBF para mudar de técnico tão perto da Copa. Tanto que, em vez de dispensá-lo e convocar outro treinador, a CBF preferiu o quebra-galho de chamar Zico para coordenador técnico, seja lá o que signifique isso exatamente.
Já naquela altura estava claro que os jogadores não rendiam, na seleção, o que rendem nos clubes. Portanto, estava claro, se for correta a tese de que a culpa é de Zagallo e de ninguém mais, que seria preciso mudar o comando.
O segundo problema é justamente a hipótese de que a culpa não seja de Zagallo ou, ao menos, não seja só dele. É o pior dos mundos, porque derruba a explicação que tudo resolve.
Seria preciso pensar em toda a fracassada estrutura do futebol brasileiro, que espalha campeonatos irracionais pelos Estados, desmotiva os torcedores, expulsa os astros para o futebol estrangeiro e assim por diante.
Depois, espera-se que um técnico e 22 atletas se reúnam às vésperas do torneio e resolvam tudo com meia hora de treino.
Até podia funcionar quando a superioridade do futebol brasileiro era de fato incontrastável. Hoje, não é mais, até porque os outros aprenderam em parte graças ao conhecimento aportado pelos atletas brasileiros espalhados pelo mundo.
Como não dá para corrigir problemas estruturais desse calibre do dia para a noite nem parece haver coragem (se é que se trata de fato de uma necessidade) para trocar de técnico, o jeito é esperar que "El País" esteja certo e que a seleção esteja apenas "escondendo" seu jogo até a hora de estrear na Copa.
Ou esperar que Romário se recupere e faça até mais que os outros, ou seja, jogue na seleção não apenas o que joga no clube mas muito mais, porque, neste caso, nem nos seus clubes, o número 11 vinha jogando alguma coisa.



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