São Paulo, terça, 2 de junho de 1998

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A Copa do Mundo das camisas

CARLOS HEITOR CONY

É uma tradição, quase uma obrigação. Ao começar uma Copa do Mundo, há uma descrença nas possibilidades do Brasil. Nas quatro vezes em que trouxemos o caneco, a seleção fez treinos debaixo de geral desconfiança, de iracunda reprovação.
Não faltaram vaias na hora do embarque. Afinal, cada brasileiro -segundo famosa frase que rola por aí- tem o seu time, a sua tática, a sua maneira de vencer.
Grosso modo, paulistas e cariocas, com motivos ou sem eles, acusam a cartolagem de proteger determinados jogadores e clubes, há uma luta de foice que só acaba quando soa a trombeta do apocalipse, o apito do juiz na final, dando-nos a vitória.
A alternativa é a continuação da briga de foice pelos quatro anos seguintes. Se toda regra tem exceção, a exceção teria sido a Copa de 82, na Espanha, quando a seleção dirigida por Telê jogou o fino e perdeu para a Itália numa partida que muitos consideraram a melhor da história do futebol mundial.
Em 1970, houve o diabo com a seleção que se tornaria tricampeã do mundo. Até hoje se discute se o mérito do triunfo foi de João Saldanha (que tinha poderoso lobby na mídia daquela época), ou de Zagallo, que, apesar de ter mexido na estrutura do time, de ter imposto sua concepção de jogo, continua discutido e negado por muitos.
O fato é que, em matéria de craques, tanto em 70 como em 82 tínhamos em campo o que de melhor produzimos em matéria de futebol. Talvez não seja o caso de agora. Tirante três ou quatro craques excepcionais, a maioria dos convocados é, para dizer o mínimo, polêmica.
E além dos jogadores em si, não houve tempo nem interesse para que fosse providenciado melhor entrosamento entre defesa, meio-campo e ataque. Atravessamos um período de vacas magras não em matéria de craques -que sempre os houve, e bons- mas em termos de organização e rotina.
Antigamente, com os campeonatos regionais em dois turnos, os torneios nacionais e alguns amistosos internacionais, era fácil qualquer gari escalar um time que, afinal, estava na cara de todos. Com a globalização do futebol (acredito que foi justamente o futebol o primeiro escalão da sociedade que se globalizou), ficou difícil julgar determinados craques que passam a maior parte do tempo no exterior, jogando ora num time ou noutro.
Evidente que a comissão técnica tem seus olheiros e que o time de Zagallo, em linhas gerais, é o que todos escalaríamos -mas sob reservas. Com exceção de Ronaldinho, acho que nenhum jogador, nem mesmo Romário, seria escolhido por aclamação.
Bem, para sorte nossa, temos a camisa, que sempre pesa numa Copa do Mundo. Mas outras camisas também pesam: a da Itália, da Argentina e da Alemanha. Desta vez, devemos incluir a camisa da França, que atravessa boa fase e parece estar num astral excelente com a vantagem de ser dona do campo.
Mesmo assim, acho que o Brasil ainda leva jeito. Na ponta do lápis, Itália, Alemanha e Argentina também apresentam problemas mas na hora do jogo não é uma seleção que entra em campo. É todo um povo, toda uma nação.



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