São Paulo, quarta, 2 de junho de 1999

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O futebol e as espécies em extinção

JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas

O mundo do futebol não escapa às leis do darwinismo. Mudam as condições externas, mudam as exigências do ambiente, e lá se vão seres que pareciam eternos, como os fortes dinossauros. Eles vão morrendo, desaparecendo e virando objeto da arqueologia esportiva, se é que isso existe.
Um exemplo é o velho ponta. Antigamente -no caso, há 20 anos-, quando se via um time entrando em campo na várzea ou na praia, era só olhar para os sujeitos mais miudinhos e já se sabia quem eram os pontas. Eles ficavam parados ali perto da linha lateral, só esperando a bola para partir para cima do marcador e cruzar.
Mas, de repente, com o meio-campo mais fechado e o melhor preparo físico dos defensores, os espaços começaram a ficar menores. O velho pontinha, por mais que insistisse, não conseguia driblar com a mesma facilidade de antes.
Começaram a aparecer então alguns laterais com fôlego de gato, como Rosemiro e Marinho Chagas. Eles vinham lá de trás, faziam a passagem pelo ponta -o tal "overlapping" de Cláudio Coutinho-, cruzavam para a área e ainda tinham pulmão para voltar e marcar. Era uma humilhação.
O ponta então começou a zanzar pelo miolo do ataque, roubando o espaço dos outros atacantes, que foram forçados a recuar para o meio e, em muitos casos, se transformaram nos atuais segundos volantes.
Hoje em dia, há remanescentes, claro, como Alessandro e Denílson, mas eles são cada vez mais raros. Triste fim para uma posição que teve expoentes como Garrincha, Julinho Botelho e Pepe.
Outra espécie que não vemos mais é o meia-lançador, no estilo de Gerson, Dicá e Ailton Lira. Geralmente era um jogador sereno, imponente e com pose de centurião romano. Seu papel era cadenciar o jogo e fazer passes longuíssimos para que os atacantes pudessem surpreender os zagueiros rivais.
Mas, nos nossos dias, o meia não pode nem pensar em parar para pensar na jogada, tal a velocidade e a voracidade com que os marcadores avançam sobre ele. Para o bem e para o mal, ele se transformou num jogador tático que cobre o lateral, compõe o meio-campo e se livra da bola o mais rápido possível, para que o time continue com ela em seu poder. Valdo e Zinho são dois bons exemplos.
O ponta ousado e o lançador clássico representam um modo de jogar que nos dá saudades. Não eram jogadores versáteis. Pelo contrário, eram especialistas que nos encantavam justamente por fazer muito bem aquilo que sabiam fazer. Um drible bem dado e um lançamento perfeito faziam parte do espetáculo. Na correria de hoje, viraram exceção.
Mas não são apenas os pontas, os lançadores, o mico-leão e as baleias que estão desaparecendo diante de nossos olhos. Há outros seres em perigo. As morenas são um bom exemplo. Elas estão ficando loiras. É um terrível processo de xuxanização. E também estão desaparecendo os comunistas, os anarquistas, os católicos e os fãs de F-1. A extinção desses exemplares é uma perda irreparável para nossa biodiversidade social. Precisamos salvá-los. Principalmente as morenas, é claro.
Salvem as morenas!
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E-mail torero@uol.com.br ²


José Roberto Torero escreve às quartas-feiras


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