|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Sozinha, garota clama por gols inexistentes e
agora suspira pela Itália
XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
Amigo torcedor, amigo secador, a "belle de jour" do
centrão de SP, a nossa dublê
da bela da tarde, não acreditava no futebol tão triste e feio
que testemunhava sozinha,
longe da histeria coletiva dos
telões e das ruas, como representasse na frieza de ontem a
pátria recolhida, a pátria lesada, os Tristes Trópicos em
chuteiras, a pátria entregue
de rouge e batom ao capricho
francês. Ela nunca leu Paulo
Prado, mas parecia dizer, com
as sobrancelhas, sete palavras
fatais: "Numa terra radiosa,
vive um povo triste".
É lá naquela cama do hotel
Metrópolis, ali com vista para
o antijardim suspenso do elevado Costa e Silva, o Minhocão, arquitetura da destruição
que enfeia a cidade babilônica
como se um Niemeyer fosse
um dia capaz de virar um Parreira, que a professora de inglês doravante denominada
Danielle Souza, 23, comete as
suas aventuras na pclpele de
garota de programa. Lá, viu
vários jogos, secou argentinos
e alemães, vibrou com os "bonitões" da Itália, seus prediletos em se tratando de cosmética da bola. Na tarde fatídica
de ontem, nenhum homem
ao seu lado, quer dizer, só este
cronista e o fotógrafo Jorge
Araújo, com o distanciamento afetivo que pedia o tema.
"Um chute pelo amor de
Deus", clamava a Belle de
Jour ao deus Narciso, o espelho gigante que dividia seus
olhos de ressaca -"ontem bebi demais!"- com a TV de 14
polegadas que resumia a tragédia à sua frente. A tela era
grande demais para o futebol
vira-lata dos brasileiros. Nem
um homem apareceu no
mundo de Danielle ontem. A
pátria em chuteiras é bem família. A nossa bela era um raríssimo exemplo de quem vê o
escrete da forma mais solitária. Na tarde gelada dos Tristes Trópicos até o mendigo
"Sozinho", como se autodenomina nas suas placas de papelão, o pedinte ali da Frei
Caneca com a Caio Prado,
correu para o bar da esquina.
Não havia sequer um solitário a testemunhar a tragédia
sozinho nem mesmo no edifício Copan, esta ilha concreta
que bem poderia ser batizada
de Carençolândia. Havíamos
acertado, na manhã de ontem, previdente que somos,
para ver o jogo com pelo menos seis solitários do prédio-cidade. Todos sucumbiram à
tentação de homens cordiais
e fugiram para bares ou lares
repletos de outros brasileiros.
Na Copa, bate carência
equivalente ou maior que o
Natal e Ano Novo. "Desculpe,
tiozinho, fiquei triste, vou ver
com uns perdidos da praça
Roosevelt", diz o travesti
Joanna, borrado de verde-amarelo, mas sem esconder o
pressentimento à Pelé: "Belle
de jour c'est moi (bela da tarde sou eu), sinto o cheiro de
sempre aqui no centro, aqui
no Brasil, o cheiro de merda!".
E a pátria em chuteiras, velho Gilberto Vasconcellos, sucumbiu à síndrome de Caramuru, entregou suas Paraguaçus de mãos-beijadas, oui,
oui, sim, sim!
Texto Anterior: Algazarra e Silvio Santos reinam no hotel que abriga TV e seleção Próximo Texto: "Vive la France!": ninguém dorme hoje, só quem está no Brasil Índice
|