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Carreira que rende até R$ 100 mil por ano vem à tona com escândalo de manipulação de partidas, sepulta empregos "oficiais" e provoca procura crescente em escolas de formação
"Pote de ouro", arbitragem se torna objeto de desejo
GUILHERME ROSEGUINI
PAULO COBOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Parece a biografia de um jogador de futebol: o garoto humilde
calçou chuteiras, vestiu uniforme,
conseguiu destaque nos gramados e hoje comemora uma situação financeira privilegiada.
A descrição, contudo, remete à
trajetória de um árbitro. Paulo
César Oliveira cumpre a regra exigida pelas federações e tem uma
profissão não vinculada ao apito
-é comerciante-mas nem titubeia quando questionado sobre a
sua principal fonte de renda.
"Às vezes, dá para tirar até R$ 10
mil por mês. Posso dizer que 90%
de meus rendimentos vêm do futebol. Não tenho motivos para reclamar", conta o juiz paulista, que
só nos jogos do Brasileiro deste
ano arrecadou R$ 17 mil.
Oliveira não é exceção na classe
que ganhou os holofotes na última semana, após a eclosão do escândalo de manipulação de resultados para favorecer empresários
que apostavam em sites ilegais.
Criada com o intuito de figurar
apenas como um bico, a arbitragem virou profissão de fato, capaz
até de superar o faturamento do
emprego "oficial". Os cinco juízes
que mais comandaram duelos no
Nacional, por exemplo, levaram
mais de R$ 30 mil em cinco meses.
Não por acaso, a procura por escolas formadoras nesse mercado
cresce em ritmo acelerado.
"Por que o cara vai encher laje e
ganhar R$ 300 se ele pode levar R$
90 num fim de semana apitando
jogo amador?", questiona o juiz
Márcio Rezende de Freitas.
Os números legitimam seu discurso. Freitas e Oliveira, que integram o quadro da Federação Internacional de Futebol, recebem
R$ 2.500 por partida na Série A do
Brasileiro, além das diárias nas
viagens e das passagens de avião.
Seus colegas que não ostentam a
insígnia da Fifa ganham R$ 1.500.
Somadas participações em torneios como Copa do Brasil, Sul-Americana e Libertadores, os rendimentos anuais dos árbitros de
elite chegam a R$ 100 mil.
A forma como o dinheiro é empregado ressalta o caráter de ofício que o apito passou a ostentar.
Por mês, juízes do primeiro escalão despendem até R$ 1.500
com preparação física (entre personal trainer, nutricionista e fisioterapeuta) e teórica (participação
em workshops e gastos com aulas
de inglês, idioma exigido pelos organismos internacionais).
O valor das taxas de arbitragem
vai decrescendo nas divisões inferiores, mas nem por isso ao panorama é diferente. Cássia Alves
Dias, que atua em confrontos da
Série C, ilustra essa situação.
Funcionária pública na cidade
de Contagem (MG), ela ganha R$
350 por duelo na terceira divisão
do Brasileiro. Nos fins de semana,
incrementa as receitas comandando jogos infantis e juvenis
-recebe entre R$ 60 e R$ 150.
"Eu ganho mais apitando do
que no meu trabalho do dia-a-dia.
Além disso, a gente vê um futuro
promissor", afirma Cássia.
Relatos desse tipo fizeram decolar a procura por cursos de arbitragem nas principais federações
estaduais de futebol do país. Em
São Paulo, por exemplo, o número de inscrições saltou de 55 em
2003 para 350 em 2005.
O Rio Grande do Sul vai promover em 2006 um curso de formação de árbitros depois de sete
anos. Organizadores aguardam
600 inscrições só em Porto Alegre.
Febre semelhante ocorre em federações do Rio, Pernambuco,
Minas Gerais e Brasília, fato que já
gera reclamações da classe.
"Todo mundo quer dinheiro,
mas ninguém pensa nas dificuldades que vai encontrar. O mercado está saturado", diz o juiz Cleber Wellington Abade, em opinião endossada por colegas.
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