UOL


São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Comitê paraolímpico foge de princípios e foca elite


Entidade segue os passos do COB, contraria a política de inclusão social do governo Lula e deve aplicar neste ano, no alto rendimento, 73% do dinheiro público que recebe


GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Encarar o esporte como lazer e oportunidade para integrar os atletas deficientes à sociedade.
A filosofia que balizou durante anos as ações do Comitê Paraolímpico Brasileiro sofrerá uma guinada nesta temporada, o segundo ano integral em que a entidade terá direito às verbas das loterias devido à Lei Piva -em 2002, recebeu quase R$ 9 milhões.
A entidade que coordena as modalidades paraolímpicas no Brasil quer seguir os passos do Comitê Olímpico Brasileiro e despender boa parte de suas receitas em 2003 com os atletas de alto nível, que podem garimpar medalhas nos Jogos Paraolímpicos de Atenas, em 2004.
"O objetivo final do comitê sempre foi o esporte de alta performance, mas, nos últimos anos, ficamos mais centrados nas aplicações sociais. Agora temos recursos e estamos prontos para buscar resultados ainda mais expressivos", comentou o presidente do CPB, Vital Severino Neto.
A nova meta do comitê deve ser implantada justamente no início do governo Lula, que defendeu em sua campanha à Presidência priorizar o investimento no esporte social (educacional e de participação) em detrimento de gastos com a alta performance.
"Não vamos desguarnecer nossas associações nem os projetos sociais, mas a vocação do nosso comitê é preparar atletas para competir em eventos de grande porte. Em 2003, essa será nossa prioridade", declarou Severino.
No ano passado, a entidade calcula que gastou cerca de 55% do montante da Lei Piva com apoio e incentivo a atletas e técnicos e subsídios para competições nacionais e internacionais. Neste ano, a estimativa é que os gastos com a alta performance consumam 73% do total arrecadado.
Os maiores beneficiados com as mudanças são os competidores de natação e atletismo, modalidades que, juntas, amealharam 20 das 22 medalhas obtidas pelo Brasil na Paraolimpíada de Sydney.
A nova postura do CPB segue a linha de raciocínio do COB, anunciada após a última Olimpíada. Na ocasião, a entidade disse que começaria a priorizar investimentos em esportes individuais que pudessem render um maior número de medalhas ao país.
Em janeiro, ao divulgar o balanço dos gastos com a verba da Lei Piva em 2002, Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB, alertou às modalidades com poucas perspectivas de sucesso nos Jogos de Atenas-2004 que elas podem receber uma porcentagem menor das verbas neste ano.
A nova política do CPB já preocupa os presidentes das cinco associações nacionais de esportes paraolímpicos. Elas temem que faltem recursos para o fomento da base em todas as modalidades.
"Não há problema em concentrar esforços para Atenas, mas não podemos criar um hiato de dois anos e perder de vista o fomento das associações. É dos trabalhos de formação que saem os grandes atletas", reclamou David Farias, presidente da ABDA (Associação Brasileira de Desporto para Amputados).
"Precisamos investir o dinheiro da Lei Piva na base. Essa sempre foi uma meta do nosso comitê. Não pode ser abandonada", disse Ivaldo Brandão, presidente da Ande (Associação Nacional de Desporto para Deficientes).
As associações já tiveram um atrito com o CPB em 2002, por conta da interrupção do repasse da Lei Piva, em agosto. A Abradecar (Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Roda) até acionou a Justiça para tentar reaver parte da verba anteriormente acordada e depois suspensa.

Irregularidades
A mudança de postura do CPB ocorre no momento em que a entidade é questionada pelo governo pela maneira como aplicou os recursos da Lei Piva em 2002, como revelou a Folha ontem.
A lei, aprovada em 2001, destina 2% da arrecadação das loterias federais ao COB (85% do total) e ao CPB (15%). A fiscalização do uso desse dinheiro cabe ao Tribunal de Contas da União.
Relatório do tribunal, concluído em dezembro, apontou irregularidades no uso da verba das loterias por parte do CPB em 2002.
O relatório revela que a entidade, fundada em 1995, pagou altos valores em benefícios salariais, gastou em excesso com a sua manutenção e não controlou com rigor a cessão de verbas para viagens e a confecção de contratos.
O principal problema citado no documento do tribunal é o valor do auxílio-moradia concedido aos membros da diretoria executiva do CPB no ano passado.
Além de um salário mensal de R$ 8.000, cada um teve direito a um benefício que variou de R$ 3.000 a R$ 4.000 mensais.
O relatório diz que as cifras são quase 122% superiores ao teto do auxílio-moradia estipulado por lei, segundo decreto de 1996.


Texto Anterior: Painel FC
Próximo Texto: Por quê?: Performance em Sydney-2000 foi divisor de águas
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.