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São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2003

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FUTEBOL

Mestres, inventores e craques

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O que é um craque? Quem é craque? Ou melhor: o que é que define se um jogador de futebol é ou não um craque?
Armando Nogueira conclamou os cronistas e comentaristas esportivos a dar suas respostas a essas perguntas.
Tostão, ele mesmo um craque sob qualquer critério, já deu mais de uma vez sua opinião, estabelecendo uma rigorosa lista de exigências técnicas, psicológicas e morais para que alguém possa ser considerado um craque da bola.
Não há como discordar de sua argumentação. Mas, se ela fosse levada às últimas conseqüências, restariam hoje apenas uns dois ou três craques no mundo do futebol. Os outros não preencheriam um ou outro requisito.
Penso que nessa discussão entra também uma boa dose de subjetividade. Não são apenas as qualidades técnicas objetivas de um futebolista que o fazem conquistar o torcedor (e o comentarista não deixa de ser um torcedor), mas também sua capacidade de inspirar a fantasia e a imaginação.
Em outras palavras: sua faculdade de nos fazer lembrar que o futebol não é unicamente um esporte de alto rendimento; é também uma forma de arte, seja como narrativa épica, seja como poesia.
Minha tentação, então, é aplicar ao futebol a classificação que o poeta americano Ezra Pound criou para avaliar os escritores e artistas. Segundo ele, havia diluidores, mestres e inventores.
Transposta ao futebol, a divisão significaria mais ou menos o seguinte: o diluidor seria o atleta que se limita a repetir, geralmente de modo pior, o que seus antecessores e contemporâneos fizeram.
O mestre, como o próprio nome sugere, seria aquele que domina "com maestria" os fundamentos do jogo. Ou seja, aquele que faz tudo (passa, chuta, dribla, lança, cabeceia) com extrema competência. De certo modo, o mestre sintetiza o repertório de jogadas a que o futebol chegou em determinado estágio.
O inventor seria aquele que amplia esse repertório, acrescentando a ele novas jogadas, novas possibilidades, novos horizontes.
Sob esse prisma, pode até haver um mestre que seja mais competente e mais completo que um inventor. O que lhe faltaria seria a chama da fantasia, da surpresa, da ousadia.
Para que a conversa não fique tão árida, vamos tomar de exemplo alguém que foi, ao mesmo tempo, mestre e inventor: Pelé.
Dois lances da Copa de 70 ilustram o que quero dizer. No gol que fez contra a Tchecoslováquia, Pelé mostrou-se mestre: recolheu um lançamento de 40 metros amortecendo a bola no peito, esperou-a quicar diante do gol, trocou de perna, escolheu o canto e fuzilou. Uma jogada perfeita.
O Pelé inventor apareceu no célebre drible de corpo sobre o goleiro do Uruguai. O lance não resultou em gol, mas foi de uma beleza fulgurante, inesperada e genial, que estimula até os dias de hoje nossa fantasia.
Mestre e inventor se complementam, e é na confluência dos dois que se encontra o craque.

Mestres
Uma relação sumária de possíveis mestres do futebol incluiria Zito, Clodoaldo, Zé Carlos (ex-Cruzeiro, ex-Guarani), Dicá (Ponte Preta), Dario Pereyra, Raí, Evair, Luís Figo, Redondo, Frank de Boer. São os caras que "sabem tudo".

Inventores
Entre os inventores que são "incompletos" estariam Alex, Denílson, Felipe, Rivaldo, Ortega. São aqueles de quem podemos esperar o melhor e o pior.
Mestres e inventores Ou seja, craques: Pelé, Garrincha, Tostão, Ademir da Guia, Dirceu Lopes, Rivellino, Paulo César Caju, Cruyff, Maradona, Platini, Zico, Falcão, Sócrates, Romário, Zidane, Ronaldo. Fila de espera: Ronaldinho, Kaká, Diego, Robinho, Riquelme.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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