São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2004

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FUTEBOL

A magia do artista

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Depois do Ronaldo e do Roberto Carlos, dois craques consagrados que brilham há muitos anos na Europa, o melhor e mais encantador jogador brasileiro não é o excepcional Kaká, e sim o artista Ronaldinho Gaúcho.
Ronaldinho Gaúcho e Kaká estão nos lugares certos. Os italianos adoram mais a objetividade e a técnica, e os espanhóis, a fantasia e o show. Isso não significa que Ronaldinho não seja técnico e eficiente e que o Kaká não seja habilidoso e criativo. Mas são dois estilos diferentes. Ronaldinho Gaúcho tem o jeito imprevisível e moleque do craque brasileiro.
Por que os italianos, um povo apaixonado pela beleza e pela arte, adoram jogadores raçudos e disciplinados, mas sem nenhuma habilidade e criatividade, como Gattuso?
Vou perguntar ao Carsughi.
Ronaldinho tem tido atuações espetaculares. É sua primeira temporada no Barcelona. O time do Paris Saint-Germain era muito fraco para o seu imenso futebol. Nos próximos anos, não será surpresa se Ronaldinho for eleito o melhor do mundo pela Fifa.
Maradona e Ronaldinho são os dois únicos malabaristas que deram certo, que se tornaram craques. Quando parar de jogar, Ronaldinho poderá dar shows antes e nos intervalos das partidas. Valerá pagar outro ingresso só para vê-lo brincar com a bola.
Ronaldinho não joga bonito porque quer se exibir. Ele une a magia e a beleza com a simplicidade e a eficiência. Ronaldinho conhece e executa muito bem os fundamentos técnicos e, no momento certo, improvisa e inventa. Torna simples o que é complexo. Aí está a sua magia.
Garrincha foi outro artista que unia a brincadeira e a fantasia com a competência e a simplicidade. Mas não era um malabarista, como Ronaldinho. Garrincha não era simplório nem humilde. Era simples. Não driblava também para se exibir, e sim para se divertir e porque sabia. Driblava e cruzava (passava). Quando não dava para colocar a bola nos pés ou na cabeça de um companheiro, voltava com a bola e driblava de novo.
Na sua simplicidade, Garrincha não se notava em campo. Não pretendia ser nada. Era tudo.

Misterioso craque
Rivaldo é um mistério. A maioria dos grandes jogadores brasileiros mostrou que é craque antes dos 20 anos, como os dois Ronaldos e o Kaká. Rivaldo se tornou craque mais tarde, por esforço e insistência.
Apesar de ter brilhado em duas Copas do Mundo, principalmente na de 2002, e de ter sido escolhido o melhor do mundo pela Fifa, Rivaldo nunca foi aceito como um craque por grande número de torcedores e jornalistas esportivos. Nas eliminatórias de 2002, ele foi o atleta mais criticado da seleção.
Durante a sua carreira, discutiu-se muito qual era a posição correta do Rivaldo, na frente, na ligação entre o meio e o ataque ou no meio-campo. Ele brilhou intensamente e jogou muito mal nas três.
Mas o melhor momento do Rivaldo foi no Barcelona. Ele jogava avançado pela esquerda, quase como um ponta, numa posição que detestava e que o treinador queria. Rivaldo desobedecia o Van Gaal, deslocava-se para o meio e decidia as partidas.
Após a Copa de 2002, Rivaldo não mais se destacou. O técnico do Milan não o colocou nem na reserva. Carlo Ancelotti pensava que ele não era atacante e que no meio era inferior ao Kaká e Rui Costa. Imagino que o treinador achava o Rivaldo esquisito.
No Cruzeiro, Rivaldo jogou mal suas dez partidas e só fez dois gols. Estava lento, parecendo um veterano, embora tenha 32 anos. Será que ele está em decadência? Parece, mas não se pode afirmar nesse momento.
Rivaldo sempre foi um craque atípico. Uma das características mais faladas dos grandes atletas é que eles antevêem o lance. Antes de a bola chegar, já sabem o que vão realizar. Isso nunca aconteceu com Rivaldo. Ele domina a bola para depois pensar no que vai fazer. Mas faz muito bem. Ele é mais técnico do que criativo.
Rivaldo nunca foi também um bom marqueteiro. Nunca esteve à disposição da mídia. Dar entrevistas, sorrir para as fotos e ir a encontros sociais e badalados, sempre foi um martírio para ele. Rivaldo gosta do sucesso, e não da fama.
Mesmo se Rivaldo não voltar a jogar como antes, ele já está na história como um dos grandes do futebol brasileiro. A maioria não vai concordar.

E-mail tostao.folha@uol.com.br


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