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XICO SÁ
Tango para corações apunhalados
A frase de Maradona após a tragédia na montanha mágica de Evo Morales é o que difere o argentino do brasileiro na bola
AMIGO TORCEDOR , amigo secador, muitas coisitas nos diferem dos argentinos, mas, nas
tragédias ludopédicas, sin embargo,
surge a mais estupenda das diferenças. Os hermanos se mostram desavergonhadamente passionais e buscam entender o revés muito mais
pela alma do que pela técnica.
Nós instalamos imediatamente,
torcedores e crônica esportiva, uma
caça às bruxas. Eles fazem letra de
tango à Gardel a cada frase, a cada
desabafo de sofrimento. Repare na
declaração de dom Diego Maradona, este gênio que carrega no seu encalço duas sombras permanentes, a
da glória e a da tragédia.
Disse o técnico, logo após a derrota: "¨Qué le puedo decir al hincha argentino? Que yo sufrí con ellos y que
cada gol de Bolivia era un puñal en el
corazón". Sim, o que posso dizer aos
torcedores? Que sofri com eles e que
cada gol era um punhal no coração.
É ou não o país do tango pronto?
Já fomos tão passionais quanto o
"lunário sentimental" do escriba
Leopoldo Lugones, filho do rio seco
de Córdoba. Hoje, porém, nos vemos cerebrais, tão poéticos quanto a
prancheta com o desenho do 4-4-2.
Com as derrotas históricas dos
nossos times, na hora do despenhadeiro da Segundona, por exemplo,
até que conseguimos beber uns tragos com a solitária azeitona do martírio dançando nas nossas bocas momentaneamente banguelas.
Vimos tal drama outro dia na queda e ascensão do Corinthians, com o
abismo coral do Santa Cruz, com as
despedidas de Fla e Flu da Libertadores, igualmente devorados pelo
cabeludo monstro da soberba que
costuma perseguir os falastrões e os
conquistadores de véspera.
Após 1982, com o melhor futebol
que uma seleção já exibiu desde a invenção da bola, transformamo-nos
em um país de cricris e secadores de
nós mesmos. Isso não ocorre com os
argentinos, ainda mais com o deus
Maradona no comando. Os hermanos estão chorando até agora o massacre que sofreram na montanha
mágica dos xamãs de Evo Morales.
Claro que tivemos razões de sobra
para endurecer nossos corações,
mas ficamos excesssivamente chatos, uns cobradores em plantão 24
horas, uns bedéis ludopédicos, umas
madres superioras e enfezadas.
É pau no escrete canarinho sob
qualquer hipótese, se ganha de 3 a 0,
se empata na altitude e, óbvio, ainda
mais, nas raríssimas derrotas.
Estamos como um velho reclame
de uma cachaça de Vitória de Santo
Antão, Pernambuco, terra do Osman Lins: "Se o seu time ganhou...
tome Pitu; se o seu time empatou,
Pitu; se o seu time perdeu, Pituuuu".
Claro que Edgar, meu estimado
corvo, grasnava de prazer a cada flechada dos índios de Morales nos
costados do inimigo do rio da Prata,
mas o sentimento de Maradona, em
forma de letra de tango, foi uma das
coisas mais belas dos últimos tempos no gelado mundo dos pebolistas.
Tragédia que embutia na humilhação histórica cheiro de sangue e
de conquista da próxima Copa do
Mundo. Time tem de sobra para tal
fim, e dom Diego merece essa glória.
É, amigo, como cantava o velho
Belchior, tenho 25 anos de sonho e
de sangue e de América do Sul, mas,
por força do meu destino, hoje, pelo
menos hoje, comovido qual um Maradona, um tango argentino me pega bem melhor que um blues.
xico.folha@uol.com.br
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