São Paulo, quarta, 3 de junho de 1998

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ALBERTO HELENA JR.

Fogueira de incertezas

A imolação de Romário foi um ritual sombrio, executado numa gigantesca tenda armada nos jardins do Château de Grande Romaine como se fosse um daqueles templos evangélicos onde se anunciavam o fim dos tempos à época da depressão americana. Não faltou nem sequer o grand finale, com Romário, solitário no centro do palco, em prantos, diante de uma platéia de jornalistas constrangidos.
Digo que foi imolação porque duvido das razões anunciadas pela comissão técnica, quando não reprimo o riso diante da justificativa de Zagallo: "Ninguém cortou o Romário. Foi a ressonância que cortou o jogador". Dona Ressonância, essa senhora cruel, pois, é a mais nova integrante da nossa comissão técnica. E ela foi convocada no momento exato em que Zagallo necessitava desesperadamente de uma solução não para o caso Romário, mas, sobretudo, para o problema César Sampaio, muito mais cruciante, a um passo da estréia.
Assim, queima-se Romário na fogueira das incertezas ateadas pela própria comissão técnica desde a convocação do time, para se tentar, em cima da bucha, extrair das cinzas a solução para um problema que ali estava plantado no nosso meio-campo há quatro anos e que só agora foi constatado pelo treinador: não há um médio volante, destro, capaz de se compor com Dunga no combate e com Giovanni e Cafu na armação e no ataque.
Eis por que, como último lance, chama-se Emerson, que já havia sido convocado tempos atrás, e que exerce melhor essas funções do que os três volantes que temos por aqui -Dunga, Doriva ou César Sampaio- , para o lugar de Romário.
E mais que isso: a vinda de Emerson (que, sou capaz de apostar, vai ser o titular na Copa) abriu uma vaga perspectiva de Zagallo avançar Denílson ao lado de Ronaldinho, caso Bebeto e Edmundo sigam praticando o futebol burocrático que vêm realizando.
De qualquer forma, o confrangedor episódio de ontem é a constatação de que só agora, com o juiz de apito na boca, é que vamos montando um time mais equilibrado.
Pelo menos no papel. Em campo, só Deus sabe.



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