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CARLOS HEITOR CONY
Reflexões
sobre
bolso e
coração
Quando o futebol foi profissionalizado, em 1933,
muita gente deixou de frequentar os estádios. Na minha infância, encontrava esses caras que
passaram a desprezar o futebol,
considerando-o uma atividade
de mercenários, como as guerras coloniais. Eu achava um exagero. Considerava normal que
os jogadores ganhassem bons
salários, recebessem luvas.
Mesmo assim, quando Didi
emigrou do Fluminense para o
Botafogo, estranhei que ele
conseguisse jogar contra o time
que defendera com tanta genialidade.
Fiquei sabendo que os jogadores, como qualquer ser humano, tinham o direito de ter
um clube do coração e jogar por
outro. Amor não enche barriga.
Não me tornei reacionário como
os ex-torcedores que renegaram o futebol em 1933 por causa do profissionalismo. Mas daí
dizer que gostei, não gostei.
Deslocando o problema para
as seleções nacionais, aos poucos estou sentindo aquilo que,
numa análise injusta e apaixonada, num momento de cólera
poderia considerar mercenários
aqueles que jogam contra a seleção de seu país.
O mesmo Didi, que saiu do
meu clube para outro, atuou
numa Copa do Mundo como
treinador do Peru. Agora, temos
o caso de Parreira, que quatro
anos atrás era treinador do Brasil e desembarcou em Paris, semana passada, como treinador
da Arábia Saudita.
Ainda são poucos os jogadores estrangeiros nas seleções
nacionais.
Um ou outro caso é explicado
pela nacionalidade dupla ou
por situações peculiares.
Mas resta o problema. Vai ser
difícil, mas não custa imaginar
uma final entre Brasil e Arábia
Saudita. A obrigação de Parreira
é vencer. Será um cretino se não
fizer tudo para derrotar a mesma seleção pela qual se sagrou
campeão na Copa dos Estados
Unidos.
E seria mais cretino ainda se
abrisse as pernas e deixasse o
Brasil ganhar. A dicotomia entre
o profissional e o patriota pode
parecer abominável para o torcedor, que nunca pensa com lógica. Torce com emoção. Pessoalmente, sempre embirrei
com os técnicos, considerava-os
nefastos, sobretudo quando jogavam contra mim.
Lembro o argentino Stábile,
artilheiro de uma Copa e mais
tarde treinador da seleção de
seu país que deu algumas surras no Brasil.
O paraguaio Solich até hoje é
lembrado com devoção pelos
flamenguistas. Mas o Paraguai
não estava entalado em nossa
garganta, ferindo o amor próprio nacional. Falou-se em contratar Stábile, mas houve reações. Num jogo entre o Fluminense e o Racing, por exemplo,
como confiar num técnico de lá?
Reconheço que são reflexões
românticas, essas que agora faço, no limiar de mais uma Copa.
Futebol passou a ser empresa,
ofício -e dos mais rendosos.
Já me habituei a tanta coisa
estranha que mais uma não faz
diferença. Repito o que disse
em crônica de ontem: a globalização parece que começou no
futebol. Trinta anos atrás já havia clubes na Colômbia e na Espanha que importavam os melhores craques brasileiros e argentinos.
O mundo tende a ser um só. E
mais chato -se isso for possível.
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