São Paulo, quarta, 3 de junho de 1998

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CLÓVIS ROSSI

Saiu um problema, falta achar a alegria

Com a dispensa de Romário, Zagallo mata dois coelhos com um só corte: livra-se de um falso problema e arranja, preventivamente, uma desculpa para um eventual fracasso do Brasil na Copa, justamente a ausência de Romário.
Por que falso problema? Pelos motivos expostos aqui mesmo, na segunda: a seleção havia ficado refém de uma saudade, a do Romário de 1994. Saudade é um bonito sentimento, mas, infelizmente, não marca gols.
Se os incondicionais de Romário conseguissem, por um segundo, pensar com o cérebro e não com o coração, fariam a seguinte pergunta:
O que o jogador fez nos últimos, digamos, dois anos? O que fez na Copa Ouro, por exemplo, o mais lustroso fracasso recente da seleção? O que fez nos dois únicos amistosos realmente relevantes da fase de preparação (Alemanha e Argentina).
A resposta é uma só, para todas as perguntas: nada, rigorosamente nada, a não ser se transformar em um peso morto.
É verdade que os seus companheiros tampouco têm sido muito mais que isso. Mas, pelo menos em um caso (o jogo com a Alemanha), a dupla Roberto Carlos/Ronaldinho, esta sim, conseguiu, em um único lance, desequilibrar, criando e fazendo o gol que deu a vitória ao Brasil.
Por que desculpa preventiva? Porque Zico mal disfarçou a sua pressa em cortar Romário. Logo, o técnico sempre poderá dizer, se o Brasil derrapar, que foi pressionado e obrigado a dispensar um atleta que, em tese, poderia se recuperar até, pelo menos, a partida contra a Noruega, que parecer ser o rival mais temível da seleção na fase de classificação.
O diabo é que Zagallo foi escolher justo Emerson para substituir Romário (não no time teoricamente titular). Boa parte dos torcedores, exceto os do Grêmio, estará se perguntando: Emerson quem?
É estranho esse critério de chamar uma centena de jogadores para testá-los numa infinidade de amistosos e, na hora H, convocar um atleta que pouco participou dos testes.
De todo modo, com Emerson ou com qualquer outro, o problema não está na qualidade dos convocados ou mesmo na qualidade dos ausentes.
Está, claramente, na arrumação em campo, no entrosamento, no espírito grupal.
Mas, em contrapartida, não há uma única seleção da qual se possa dizer, sem risco de queimar a língua, que é superior ao time de Zagallo/Zico/Ricardo Teixeira e cia.
A rigor e sem paixão alguma, que nessa história de Copa não é o meu forte , não há nem sequer uma seleção que se iguale à do Brasil, medidos os talentos individuais contra talentos individuais.
A que mais se aproxima é a da Argentina, que leva a vantagem adicional de ter crescido muito nos amistosos mais recentes (inclusive e principalmente naquele contra o Brasil no Maracanã).
Sugiro ao leitor que faça o seguinte exercício: pegue a lista dos convocados das seleções tidas como "grandes" ou como potenciais emergentes (para usar o termo da moda). Selecione aqueles que, sem deixar margem para dúvidas, desbancariam os atletas chamados por Zagallo, se brasileiros fossem.
Não daria nem sequer para montar uma seleção alternativa. Até porque alguns dos craques que poderiam estar nessa lista encontram-se em situação parecida com a de Romário, ou seja, em forma discutível (casos dos italianos Roberto Baggio e Alessandro del Piero ou do holandês Kluivert).
Parece claro que, se o Brasil perder a Copa, não será pela ausência de Romário ou por uma nítida superioridade de qualquer adversário, mas pela sua própria e absoluta incompetência em fazer de um punhado de astros uma equipe.
E não estou me referindo a uma união grupal tipo 94, em que os jogadores se uniram pela raiva contra a mídia. Futebol, afinal, não é raiva, é alegria. Justamente o que mais está faltando na seleção brasileira, versões 94 ou 98.



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