São Paulo, quarta, 3 de junho de 1998

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Após corte, atacante aluga quarto por conta própria num hotel e critica comissão técnica
Revoltado, Romário sai atirando

MÁRIO MAGALHÃES
enviado especial a Ozoir-la-Ferrière

Na maior das suas crises na seleção brasileira, Romário saiu ontem atirando contra a comissão técnica que o tirou da Copa de 98.
Depois de dizer de manhã que não era o momento de falar, à tarde Romário protestou contra os responsáveis pelo afastamento.
Às 13h, revoltado, ele abandonou o Château de Grande Romaine, concentração da equipe. Por conta própria, alugou um quarto num hotel da capital francesa.
O coordenador Zico, o grande defensor do corte de Romário, disse que procurou o jogador para se despedir, mas não o encontrou.
Para amigos, Romário dissera na semana passada que Zico queria "fodê-lo".
O atacante afirmou que, provavelmente, já poderia jogar na estréia da Copa, no dia 10, com a Escócia, e que, "com certeza", já teria condições de atuar no dia 16, contra o Marrocos.
O maior jogador do Mundial de 94 reclamou da "falta de paciência" dos autores do corte: "Infelizmente, na cabeça da comissão técnica, não tiveram essa paciência. Eles não devem ter confiado na minha recuperação".
De manhã, Zagallo, Zico, o médico Lídio Toledo e o supervisor Américo Faria anunciaram o corte e foram embora.
Depois, Romário chegou à tenda de entrevistas acompanhado só do assessor de imprensa da seleção, Nélson Borges. Zagallo afirmou que teria chamado Romário para o anúncio do corte, sem deixá-lo sozinho depois.
O atacante ironizou o relato do treinador, seu desafeto há mais de cinco anos: "Acontecem coisas muito particulares num grupo... Eu poderia contar muitas coisas... mas prefiro não... Já que ele falou, vamos dizer que está certo...".
Romário condenou a análise da sua lesão por um médico francês, que, conforme o seu depoimento, não é especialista em esporte.
"Eles seguiram um laudo de um especialista, que não é médico de jogador. Cada um tem seu organismo, jogador é diferente."
Romário deu as declarações sobre o corte em entrevista à Rádio K do Brasil, de Goiânia.
Ele disse que ontem já se sentia melhor, confirmando informação do fisioterapeuta Claudionor Delgado de que o edema na batata da perna diminuíra de nove centímetros para seis centímetros, em seis dias de tratamento.
"Tenho certeza de que ficaria bom, confio no meu organismo. Poderia voltar no dia 10, à vontade, superaria o problema. Com minha vontade de disputar a Copa, eu superaria qualquer coisa."
Romário deu a entender que se sentiu traído pela comissão técnica: "Em nenhum momento me passou pela cabeça a possibilidade do corte. No domingo, eu dei coletiva para vocês, vocês ouviram a minha confiança. Hoje, eu estou melhor, estou cada dia melhor".
Romário, antes da viagem para o Brasil, iria se encontrar com parentes que estavam em Paris.
"Tenho fé em Deus, no dia 16 já estarei jogando pelo Flamengo."
No mesmo vôo de Romário, viajaria o tenista Gustavo Kuerten.
O atacante foi informado do corte anteontem, por volta das 23h30, ao ser chamado no quarto para ouvir a decisão da comissão técnica, reunida desde as 22h numa sala do primeiro andar do hotel.
Romário pediu para ficar, mas não foi atendido. No quarto, telefonou para amigos, no Rio, atordoado com o afastamento. Ontem de manhã, chorou três vezes.
Na noite de anteontem, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, foi informado do corte pelo telefone celular. Teixeira, até então confiante na presença de Romário na Copa, conversou com vários integrantes da comissão técnica.
Há dias, ele ouvira um apelo do presidente da Fifa, João Havelange, para tentar manter Romário até quando fosse possível. Havelange temia pelo esvaziamento da Copa da França, com a ausência de várias estrelas. Ontem, o presidente da Fifa disse: "Lamento, como brasileiro, pelo Romário. Como presidente da Fifa, sinto por mais uma estrela fora da Copa".
A contusão de Romário foi provocada por seu esforço muscular em partidas de futevôlei, no Rio.
Na comissão técnica, havia ceticismo sobre a recuperação. Depois de se exercitar o dia inteiro, Romário se deitava em sua cama, onde passava a noite com dores.
De manhã, ele ia para o café mancando, o que levantava novas preocupações sobre seu estado. Desde os primeiros dias na França, Zico defendia o seu corte. Lídio Toledo queria a sua manutenção, mas abriu mão da posição.
Zagallo, até anteontem, preferia esperar. A escolha de Emerson para o lugar de Romário ocorreu pelo medo de que Dunga e César Sampaio não teriam condições físicas de jogar toda a Copa.
O corte de Romário é consequência não só da sua lesão -a comissão técnica poderia apostar na sua melhora-, mas de antipatias e ressentimentos gerados por choques desde 1990.
Na Copa da Itália-90, ele entrou em confronto com Lídio Toledo por querer se tratar com o seu fisioterapeuta particular, Nilton Petroni, o "Filé".
Em dezembro de 92, Romário se rebelou contra o técnico Carlos Alberto Parreira e o coordenador Zagallo, ao saber que seria reserva num amistoso com a Alemanha.
Após o tetracampeonato, Romário disse que queria "dar um tempo" à seleção, o que irritou Zagallo, que o atacou por "falta de amor à amarelinha".
O resultado da polêmica foi o afastamento de Romário da seleção na Olimpíada de Atlanta-96, em que ficou em terceiro lugar.
O jogador voltou em 97, quando, em baixa, não tinha tido o contrato de patrocínio renovado pela Nike -o que ocorreu ao retornar à seleção.
Com Zico, a queda-de-braço foi mais grave. Em 95, jogando pelo Flamengo, Romário irritou-se com críticas de Zico, o maior ídolo da história do clube. "Quem gosta de coisa velha é museu", disse Romário, sobre Zico. "O que ele ganhou na vida? Perdeu todas as Copas que disputou."
O primeiro corte de Romário foi na seleção de juniores, por urinar, do quarto do hotel onde o time estava sobre transeuntes na calçada.



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