São Paulo, quarta, 3 de junho de 1998

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JANIO DE FREITAS

A discutível estrutura da seleção de Zagallo

O corte de Romário é uma devolução inoportuna, mas não desproporcional, das vezes incontáveis em que sua presença caríssima era indispensável ao time e ansiada pela torcida, quaisquer que fossem na ocasião o time e a torcida, mas algum motivo meramente pessoal prevalecia sobre a obrigação.
Até das contusões de Romário tornou-se habitual desconfiar, tantas foram as vezes em que se deu por contundido e logo se mostrou em excelentes condições no futevôlei de praia. Foi apenas natural que até há pouco a atual contusão fosse desacreditada a ponto de o próprio Zagallo tomá-la, já na véspera do que seria o primeiro treino da seleção, por "só manha do Romário".
O drible rapidíssimo, a noção física do gol mesmo sem o visualizar, o toque sutil para a rede ou para a conclusão fácil de um companheiro elevaram Romário ao nível dos grandes artilheiros, como ressalta insistentemente a crônica esportiva dos últimos tempos. Mas, se me perdoam esses especialistas, Romário, em comparação com os grandes artilheiros que o antecederam, só trouxe uma contribuição sua: aumentou muito, com seu exemplo de ídolo nefasto, a incorreção do jogador brasileiro como profissional.
O que está acontecendo à seleção e a Romário faz lembrar que a insatisfatória presença de Zagallo não é o único caso discutível na estrutura da delegação brasileira. Há muito tempo Lídio Toledo merece ser dispensado de proporcionar mais equívocos patéticos, tão pouco recomendáveis para a reputação de um médico.
Os mesmos Lídio e Romário foram protagonistas de um quiproquó que não precisaria ser tão pouco lembrado quanto tem sido. Aquele em que o médico previu pelo menos três a quatro meses para que o jogador contundido voltasse a jogar, mas Romário, adotando a orientação do fisioterapeuta Nilton Petroni, contestado por Lídio, recuperou-se em 45 dias.
Também na véspera do que seria o primeiro treino da seleção aqui na França, Lídio Toledo profetizou que "em mais dois dias Romário estará no gramado". Se a memória lhe sugeriu ser mais cauteloso desta vez ou se, de novo, diagnóstico e prognóstico estavam furados, Lídio Toledo não escapa do mesmo resultado: chutou muito para fora. Esse, digamos, equívoco não veio a se mostrar só na França. Foi necessária uma surpreendente persistência das dores de Romário para que um exame de ressonância fosse providenciado. E outra surpresa: lá estava um edema não pressentido pela douta medicina da seleção.
Errar, dizem, é humano, mas, na seleção, os cruzamentos e outras façanhas do Cafu se encarregam disso, e com sobra.
É ainda difícil saber como estão as relações, de fato, na comissão técnica. Zagallo, Lídio e Zico são muito políticos, embora em graus e por modos diferentes. Mas, depois das muitas entrevistas conflitantes dadas pelos três, a permanência ou o corte de Romário, tanto faz, não deixaria de trincar alguma coisa na comissão. Em qualquer dos dois casos, no jogo das vaidades emerge o lado vencedor e, o que é pior, o lado perdedor.
Entre pessoas cuja meta na vida é fazer perdedores, é fácil prever-se o desejo de revanche próxima. Ou, em se tratando de Zagallo, Zico e Lídio, de melhor de três.



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