São Paulo, quarta-feira, 03 de julho de 2002

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Guerrilheiros da alegria

DANUZA LEÃO
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Brasília viveu ontem seu mais glorioso dia: sol, céu azul e uma alegria daquelas. Quem menos ria comia os brincos, tal o riso solto e a euforia cívica.
O mundo político, por um dia, esqueceu-se das eleições, e vamos fazer justiça: nenhum candidato tentou tirar uma simples casquinha dos jogadores.
O Palácio do Planalto parecia um colégio no último dia de aula; os jornalistas, os assessores, os ministros, todos levaram seus filhos, os filhos de seus amigos e os filhos do vizinho. Havia até crianças de colo dormindo profundamente.
Os modelitos eram de vários estilos; desde o tailleur clássico, até um inesquecível demi-longo de musselina de oncinha, e por cima -por cima- uma minissaia jeans, dá para acreditar?
Os que chegaram mais cedo, tipo às 9h: Pedro Parente com várias crianças, Catarina Malan de camisa da seleção com outras várias e Maria Pia Venâncio de terninho azul claro e cabelos esvoaçantes. O tempo foi passando e nada dos jogadores; para saber onde eles estavam, as pessoas ligavam para casa e perguntavam aos que estavam vendo televisão onde eles estavam.
"Saíram do aeroporto."
"Passaram pelo eixo."
"Estão na rodoviária." E assim fomos acompanhando o roteiro da nossa gloriosa seleção.
Sem se importar com a etiqueta do poder, a filha de Fernando Henrique -não a Bia, a Luciana-, mais os netos do presidente e algumas amigas se instalaram no parlatório como se estivessem no jardim de sua própria casa. Com tantos anos no poder já deveriam saber que parlatório é território exclusivo de presidentes e jogadores de futebol.
A cada 15 minutos passava alguém carregado numa maca, sendo que alguns enrolados na bandeira do Brasil. Nada de grave: apenas muito sol na cabeça e emoção demais.
O tempo passava e nada dos jogadores. O ministro Weffort passeava pelo salão com uma bola de futebol na mão, o que não combinou nada com seu estilo, e Lars Grael exibia uma belíssima gravata azul cheia de bandeirinhas do Brasil.
Às 14h, ainda nada, mas nada mesmo: nem os jogadores nem pão nem água. Os mais enturmados subiram para a sala de Fernando Henrique, que assistia a tudo diante da televisão, rodeado de ministros. Ruth Cardoso não segurou o tranco e levou as crianças para almoçar em casa.
Às 14h30 parecia fim de festa: alguns se espicharam no chão, crianças corriam, um verdadeiro pandemônio. Mas no ar cinco aviões faziam vôos rasantes, comemorando o penta. Tudo lindo.
Eram 15h quando surgiu no horizonte, enfim, o carro trazendo os jogadores. Abrindo o caminho, uns cem policiais a cavalo, todos segurando uma bandeirinha do Brasil -uma belíssima produção.
Quando a seleção subiu a rampa do Planalto, parecia um bando de guerrilheiros tomando o poder; era a guerrilha da alegria sambando e brincando, rindo e feliz da vida. O dia era deles, de mais ninguém.
Tocou o hino nacional, claro, e quem cantava com mais ardor era Pedrinho Malan, 9, que é a cara do pai -até olheiras ele já tem. Depois de condecorar os jogadores, Fernando Henrique teve o bom senso de desaparecer e deixar a seleção brilhar sozinha. E foi aí que a festa começou de verdade.
O "Ouviram do Ipiranga" virou refrão e era repetido sem parar -só a primeira parte, claro, que é fácil. A ministra Anadyr foi vista sambando ao som do "Ouviram", cheia de amor pra dar.
Foram sete horas sem comer, sem beber e sem poder ao menos retocar a maquiagem, mas valeu. Quando alguém hasteou uma camisa amarela na fachada do Palácio do Planalto, não foi preciso explicar mais nada.
Valeu, Pátria Amada, valeu, Terra Adorada. Valeu mesmo.


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