São Paulo, quinta-feira, 03 de agosto de 2006

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"Saci" dribla guerrilha e acende Inter

Rentería, o reserva que é o artilheiro da equipe na Libertadores, vem da zona mais caótica da conturbada Colômbia

Time gaúcho joga hoje por uma vitória simples contra os paraguaios do Libertad por vaga na decisão da competição sul-americana


PAULO COBOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Foram só 180 minutos em campo pela Libertadores, divididos em pequenas frações para quem sempre começou na reserva. Mas, ainda assim, o colombiano Wason Rentería, 21, é o principal artilheiro do Internacional no torneio continental, em que o clube gaúcho joga hoje, às 21h45, contra o paraguaio Libertad, no estádio Beira-Rio, por vaga na final.
Mas os quatro gols (dois deles entre os mais belos do torneio deste ano) em tão pouco tempo, que o colocam na luta pela artilharia geral (tem um só a menos que os líderes), não é nada complicado para quem saiu de um lugar que concentra tudo o que de mais perverso existe na América Sul.
Rentería, que imita um saci, o símbolo do clube, quando faz gol, nasceu e cresceu em Quibdó, a capital do Departamento do Chocó, o mais pobre da Colômbia. Isolada, a região tem um IDH, o índice criado para medir o desenvolvimento humano, que o colocaria em 114º no ranking dos países. A Colômbia como um todo aparece em 69º. Mas pobreza, comum para tantos jogadores sul-americanos, está muito longe de ser o maior problema da terra natal do elemento surpresa do Internacional na Libertadores.
Encravada numa área de floresta tropical e com apenas um acesso rodoviário, Chocó sofre como ninguém a ação das guerrilhas esquerdistas, dos grupos paramilitares de direita e do narcotráfico que corrói a Colômbia há mais de 30 anos.
Estima-se que mais de um quinto dos 500 mil moradores do Departamento sejam refugiados da guerra civil colombiana, a maior proporção do país.
A questão racial é outro problema. Segundo o censo colombiano, 90% dos moradores da região são negros, como Rentería. Muitos se dizem discriminados, e leis foram criadas na década passada para garantirem seus direitos.
Três dos cinco irmãos de Rentería ainda moram em Quibdó. Ele passa as férias lá e homenageia a terra natal celebrando parte de seus gols dançando no estilo ruque-raque, uma variação do regatón, um ritmo colombiano.
Mas a proximidade das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) fazem que Chocó nunca mais seja o lar de Rentería. "Não sei onde vou morar quando parar de jogar, mas não será em Quibdó. A violência lá é muito grande", declarou o atacante à Folha.
Ele conta como era a sua vida lá, de onde saiu no final da adolescência. "Na minha cidade, as coisas até que eram tranqüilas. Só que você não pode sair para qualquer outro lugar. A guerrilha está em todo o interior", diz Rentería, que compara a situação da sua terra como uma espécie de prisão, em que você não pode ir para onde quiser.
Rentería fala de problema de segurança com autoridade. Seu pai era um policial municipal em Quibdó. Trocou o emprego perigoso (policiais são alvos constante das Farc), com o qual criou seis filhos, por Porto Alegre, onde passeia com a mulher e o filho nos shoppings.
O futebol foi a forma da família iniciar o processo de afastamento do caótico Chocó. Dois irmãos de Rentería também são atletas. Um está na Venezuela, e outro, na Argentina.
Preso ao falar do lugar em que nasceu, Rentería se solta ao falar sobre futebol.
"Toda vez que entro em campo, não importa o tempo que vou jogar, faço o máximo", diz o atacante sobre seu ótimo aproveitamento em poucos minutos jogados na Libertadores.
E, para alguém com sua origem, dar o máximo em um campo de futebol não deve ser mesmo um problema.


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