São Paulo, sábado, 03 de outubro de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

Quando começa o futuro?


Que a escolha do Rio sirva para nos fazer encarar nosso papel na construção de um país de verdade


FOI BONITA a festa, pá. Continuando a letra da música, poderia dizer que fiquei contente, mas não sei se é verdade. Talvez ansioso, ou apreensivo, seja o adjetivo mais correto.
Claro que falo da escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016. De que outro assunto se tem falado nos últimos dois dias?
Entendo perfeitamente as razões de quem torceu contra e compartilho suas preocupações. Se houve descalabro e roubalheira na organização do Pan-Americano do Rio, em 2007, é lícito temer que haja ainda mais na preparação dos Jogos Olímpicos. Tudo é maior agora: o dinheiro envolvido, os problemas de segurança e infraestrutura, o uso político do evento, a exposição do país ao mundo.
Mas concordo com o que Xico Sá disse no "Cartão Verde" e escreveu aqui: se, para fazer alguma coisa, ficarmos esperando a corrupção acabar, nunca faremos nada. O desafio é lutar para que a coisa seja benfeita e traga benefícios permanentes. Cobrar, fiscalizar, fungar no cangote dos responsáveis.
Os otimistas veem o Brasil como "o país do futuro". Os pessimistas acham que esse futuro, ou sua possibilidade, já passou, e que saltamos da barbárie à decadência sem conhecer a civilização, como insinuou Lévi-Strauss.
Talvez uns e outros estejam certos, à sua maneira. Andamos perdendo bondes da história, tomando caminhos equivocados. Espoliamos a natureza, destruímos vidas, sufocamos potencialidades. Mas sempre dá para corrigir a rota e construir um futuro diferente.
O excesso de crítica e de autocrítica pode levar à paralisia. "Tens pressa de confessar tua derrota e adiar para outro século a felicidade coletiva", escreveu Drummond. Isso se aplica a muitos de nós. Há até um certo gozo, volúpia, no fracasso. Ele nos desobriga de seguir tentando.
A ideia de "país do futuro" também pode ser paralisante, pois sugere que basta esperar sentado pelos dias melhores. A questão é: quando começa o futuro? O dia seguinte à escolha do Rio como sede da Olimpíada é um bom dia para começar.

Nacionalismo bipolar
Em tempos de euforia pré-olímpica, é curioso lembrar como em geral foram as Copas do Mundo de futebol que balizaram os sentimentos predominantes dos brasileiros com relação ao país.
A construção do Maracanã para a Copa de 50 foi um momento de orgulho e afirmação nacional, que se converteu bruscamente em depressão por conta da derrota para o Uruguai na final.
O "complexo de vira-lata" de que falava Nelson Rodrigues só foi superado com a conquista da Copa de 58, na Suécia. A situação então se inverteu simetricamente. "Com brasileiro não há quem possa", dizia a célebre marchinha da época. Após Copa de 90, a quinta sem vitória brasileira, a banda Ultraje a Rigor vociferava "A gente joga bola e não consegue ganhar" e concluía: "Inútil, a gente somos inútil".
Ou seja, ou somos os maiorais ou a cloaca do universo. Potência do futuro ou republiqueta cronicamente inviável. Será que já não está na hora de superar essa estéril bipolaridade?

jgcouto@uol.com.br

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