São Paulo, domingo, 04 de julho de 2010

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JOHN CARLIN

Copa do Mundo cruel


Copa deveria ser motivo de festa, mas esta vem causando quase o máximo de sofrimento


DIZEM QUE as touradas deveriam ser proibidas. Caçadas, também. Após três semanas de Copa, você começa a se indagar se o futebol também deveria ser proibido -ou, pelo menos, este torneio-, por crueldade excessiva aos seres humanos.
Uma Copa deveria ser motivo de alegria e festa, mas esta vem causando quase o máximo de sofrimento que é possível suportar sem derramar sangue. É palco de desastres, começando pela França, uma nação em crise, e terminando com a queda de Gana e Brasil. Ainda teve a decepção acabrunhante da Itália e a saída deprimente da Inglaterra.
É claro que o futebol envolve não só vitórias e que uma Copa é, por definição, uma crônica de desapontamentos. Mas o que vem sendo incomum na África é a grande altura da qual determinadas seleções e atletas despencaram para o chão.
Cristiano Ronaldo, festejado pelos setores mais ignorantes das hordas futebolísticas como o maior do mundo, não fez nada, só um gol esdrúxulo contra a Coreia do Norte. Saiu da Copa, em suas palavras, como "um homem alquebrado", ridicularizado até em seu país. Rooney não deve saber o que é "alquebrado", mas foi a maior decepção da Inglaterra, que Beckenbauer identificou corretamente como "primitiva".
As cenas vistas na sexta, após Gana ter perdido nos pênaltis para o Uruguai, pareciam saídas do inferno de Dante. Os ganenses, especialmente o que errou o pênalti no fim da prorrogação, o que poderia ter levado um time africano para as semifinais pela primeira vez, davam a impressão de que suas mães tinham acabado de ser atropeladas por um trem. E é fato que a crueldade da situação foi brutal até mesmo pelos padrões de infortúnio a que estamos acostumados nesse esporte às vezes belo. E só podemos esperar que, até 2014, o Brasil tenha voltado a ser o Brasil dos mitos, a seleção do "samba", como um comentarista de TV estrangeiro insistiu em falar quando descreveu os guerreiros prussianos de Dunga. A derrota do Brasil foi o último dos grandes desastres, especialmente para Dunga (ele já pediu asilo político em Bornéu?).
Mas, como acho que disse Lincoln, é possível enganar algumas pessoas parte do tempo, mas não é possível enganar todo mundo o tempo inteiro.


O britânico JOHN CARLIN é colunista do diário espanhol "El País" e autor de "Conquistando o Inimigo", livro que inspirou o filme "Invictus"

Tradução de CLARA ALLAIN


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