São Paulo, sábado, 04 de agosto de 2007

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JOSÉ GERALDO COUTO

O sol se põe em Milão

Os brasileiros não tiveram tempo de ver florescer o futebol de Alexandre Pato, que nem jogou um Gre-Nal

NEM TIVEMOS tempo de conhecê-lo direito, de decifrar seu futebol leve e veloz como a essência da juventude. E ele não teve tempo sequer de disputar um Gre-Nal. Antes de fazer 18 anos, ainda com espinhas na cara e aparelho nos dentes, Alexandre Pato foi capturado -o verbo é esse mesmo- pelo poderoso Milan, que pretende fazer dele um novo Kaká, ou seja, uma nova mina de ouro.
Não farei aqui o enésimo discurso sobre a condição fragilizada dos nossos clubes no futebol globalizado, nem sobre a "força da grana que ergue e destrói coisas belas". Mais que um lamento pela evasão do talento brasileiro florescente, chamo a atenção para o que há nesse evento de simbólico da nossa condição fugaz.
O garoto mal saiu da idade em que precisava de colo e já é carregado nos ombros. Logo mais, serão os seus ombros a suportar as expectativas e sonhos de milhões (de "tifosi" do Milan, de torcedores da seleção brasileira). Aconteceu com Ronaldo, que na época ainda era Ronaldinho e desabou sob o peso excessivo da responsabilidade na Copa de 1998. No futebol, como em outros campos, isso aconteceu desde sempre.
Mas hoje a coisa é mais rápida, quase frenética. Pelé despontou para o mundo com 17 anos, na Suécia, mas dias depois estava em Santos, cercado pela família, esperando a maioridade para comprar o seu Gordini.
A geração de nossos pais teve tempo de vê-lo crescer, aperfeiçoar suas jogadas, ganhar malícia e massa muscular, virar astro da publicidade e personagem das colunas sociais.
Só aos 34 anos, depois de marcar mais de mil gols e vencer três Copas do Mundo, Pelé bateu asas para o hemisfério Norte. O que antes levava décadas agora se condensa em meses. Celebridade imediata, fortuna instantânea. Cadê ele? Já foi.
Ao falar das características do futebol de Alexandre Pato -velocidade e leveza- mencionei "a essência da juventude", expressão que talvez não queira dizer muita coisa. Recorro então ao cinema. Quando fez seu filme "Vidas Sem Rumo" ("Outsiders"), em 1983, Francis Coppola disse à sua equipe: "Este é um filme sobre o crepúsculo". Como se tratava de um drama juvenil, ninguém entendeu a frase.
O cineasta explicou: "A juventude é como o sol poente. Atinge seu ápice de intensidade e beleza e logo em seguida se extingue. Quero filmar esse momento fugaz".
Pois bem. O vôo precoce de Pato (sem alusões ao caráter alado do seu apelido) me fez lembrar dessa história e dessa definição. A fugacidade da juventude parece ter-se intensificado em nossa época. Roubaram-nos anos, verões, luas cheias, domingos. Houve uma aceleração sub-reptícia do tempo -e Alexandre Pato é a prova viva disso.

A saga de Jorvan
O personagem da semana foi o brasileiro Jorvan Vieira, técnico da seleção do Iraque, que no domingo passado conquistou a Copa da Ásia, um feito inédito e totalmente inesperado. Ele fez sunitas, xiitas, curdos e cristãos deixarem de lado seus ódios para compor um time coeso e vencedor. Essa bela história está contada na entrevista do treinador a Julyana Travaglia, publicada ontem na Folha. Se você não leu, vale a pena ir atrás.


jgcouto@uol.com.br

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