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JOSÉ GERALDO COUTO
O sol se põe em Milão
Os brasileiros não tiveram tempo de ver florescer o futebol de Alexandre Pato, que nem jogou um Gre-Nal
NEM TIVEMOS tempo de conhecê-lo direito, de decifrar
seu futebol leve e veloz como
a essência da juventude. E ele não
teve tempo sequer de disputar um
Gre-Nal. Antes de fazer 18 anos, ainda com espinhas na cara e aparelho
nos dentes, Alexandre Pato foi capturado -o verbo é esse mesmo- pelo poderoso Milan, que pretende fazer dele um novo Kaká, ou seja, uma
nova mina de ouro.
Não farei aqui o enésimo discurso
sobre a condição fragilizada dos nossos clubes no futebol globalizado,
nem sobre a "força da grana que ergue e destrói coisas belas". Mais que
um lamento pela evasão do talento
brasileiro florescente, chamo a atenção para o que há nesse evento de
simbólico da nossa condição fugaz.
O garoto mal saiu da idade em que
precisava de colo e já é carregado
nos ombros. Logo mais, serão os
seus ombros a suportar as expectativas e sonhos de milhões (de "tifosi"
do Milan, de torcedores da seleção
brasileira). Aconteceu com Ronaldo,
que na época ainda era Ronaldinho e
desabou sob o peso excessivo da responsabilidade na Copa de 1998.
No futebol, como em outros campos, isso aconteceu desde sempre.
Mas hoje a coisa é mais rápida, quase
frenética. Pelé despontou para o
mundo com 17 anos, na Suécia, mas
dias depois estava em Santos, cercado pela família, esperando a maioridade para comprar o seu Gordini.
A geração de nossos pais teve tempo de vê-lo crescer, aperfeiçoar suas
jogadas, ganhar malícia e massa
muscular, virar astro da publicidade
e personagem das colunas sociais.
Só aos 34 anos, depois de marcar
mais de mil gols e vencer três Copas
do Mundo, Pelé bateu asas para o
hemisfério Norte. O que antes levava décadas agora se condensa em
meses. Celebridade imediata, fortuna instantânea. Cadê ele? Já foi.
Ao falar das características do futebol de Alexandre Pato -velocidade e leveza- mencionei "a essência
da juventude", expressão que talvez
não queira dizer muita coisa. Recorro então ao cinema.
Quando fez seu filme "Vidas Sem
Rumo" ("Outsiders"), em 1983,
Francis Coppola disse à sua equipe:
"Este é um filme sobre o crepúsculo". Como se tratava de um drama
juvenil, ninguém entendeu a frase.
O cineasta explicou: "A juventude é
como o sol poente. Atinge seu ápice
de intensidade e beleza e logo em seguida se extingue. Quero filmar esse
momento fugaz".
Pois bem. O vôo precoce de Pato
(sem alusões ao caráter alado do seu
apelido) me fez lembrar dessa história e dessa definição. A fugacidade
da juventude parece ter-se intensificado em nossa época. Roubaram-nos anos, verões, luas cheias, domingos. Houve uma aceleração sub-reptícia do tempo -e Alexandre Pato é
a prova viva disso.
A saga de Jorvan
O personagem da semana foi o
brasileiro Jorvan Vieira, técnico da
seleção do Iraque, que no domingo
passado conquistou a Copa da Ásia,
um feito inédito e totalmente inesperado. Ele fez sunitas, xiitas, curdos e cristãos deixarem de lado
seus ódios para compor um time
coeso e vencedor. Essa bela história está contada na entrevista do
treinador a Julyana Travaglia, publicada ontem na Folha. Se você
não leu, vale a pena ir atrás.
jgcouto@uol.com.br
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