São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2008

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Voluntário estrangeiro faz figuração

Só 935 pessoas de fora da China trabalham na Olimpíada, e, mesmo assim, sem autonomia para solucionar problemas

Brasileira revela que regra número 1 para quem é de fora é que todas as dúvidas devem ser encaminhadas a um voluntário chinês


FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A PEQUIM

Em meio à multidão de voluntários chineses que mal arranham o inglês e que saem pela tangente diante de qualquer pergunta delicada, o turista encontra um rosto ocidental dentro de um uniforme colorido e suspira aliviado. Em vão.
Porque logo descobrirá que aquela figura mais familiar aos seus olhos é apenas figuração.
Há uma ordem expressa, categórica, aos 935 voluntários estrangeiros recrutados para atuar nos Jogos de Pequim.
"A regra número 1, que repetem o tempo todo, é encaminhar a pessoa para um chinês. Sempre, sempre, sempre", conta a paulista Lúcia Anderson, 25, selecionada como voluntária. "Eles deixam claro que os estrangeiros não têm autonomia nem para orientações simples aos visitantes." Apenas mais dois brasileiros foram escolhidos, diz Lúcia.
Ela ainda não os encontrou. E, novo indício de como até o voluntariado, pretensamente ingênuo, é influenciado pelas rígidas normas do regime chinês, a informação não é confirmada pelo comitê dos Jogos. Nem esta nem nenhuma outra.
A Folha tentou ontem falar por diversas vezes com responsáveis pelo programa. Segundo o sistema de informações da Olimpíada, a entrevista só poderia ocorrer por telefone. Foram passados dois números. No primeiro, ninguém atendia. O segundo passou o dia com sinal de ocupado.
O silêncio também é a norma entre os voluntários. Sempre sorridentes, mimetizando os cartazes e painéis espalhados do aeroporto ao centro da cidade, os chineses fecham a cara a qualquer pedido de entrevista.
Da mesma maneira, não informam seus sobrenomes nem os seus nomes em chinês. "É Brian, só Brian", afirmou um voluntário, apontando para o crachá com o nome ocidental que escolheu -prática no país para, em tese, facilitar o entrosamento com estrangeiros.
Oficialmente, o número de voluntários é 70 mil. Mas os dados passados aos participantes do programa, no treinamento, são bem diferentes.
Seriam 100 mil pessoas trabalhando diretamente nos Jogos, com direito ao indefectível uniforme colorido, e outras 500 mil atuando nas ruas, em hotéis e pontos turísticos.
Desses, apenas 935 são estrangeiros. Ou 0,15%. São 642 chineses para cada forasteiro.
"A impressão que temos é que somos só uma formalidade, para o mundo ver. Nosso treinamento foi num hotel superbom, almoçamos camarão, chamaram a imprensa para cobrir", disse Lucia, que faz estágio numa empresa chinesa e vive em Pequim desde janeiro.
Opiniões parecidas lotam fóruns na internet criados por candidatos a voluntários, alguns recrutados, muitos rejeitados. "A comunicação com os voluntários é muito ruim, especialmente com os estrangeiros", escreveu um internauta num site baseado em Xangai.
Todas essas dificuldades não são coincidência, segundo Jia Xijin, diretora do Departamento de Estudos de ONGs da Universidade Tsinghua, a segunda mais importante da China. "O governo chinês já tem uma estrutura própria para organizar voluntários, e está usando-a nos Jogos", afirmou.
Caso pensado, mais um na Olimpíada que ainda nem começou. Caso que resume o espírito desta edição dos Jogos, às vésperas da abertura: sorrisos por fora, travas por dentro.


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