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Voluntário estrangeiro faz figuração
Só 935 pessoas de fora da China trabalham na Olimpíada, e, mesmo assim, sem autonomia para solucionar problemas
Brasileira revela que regra número 1 para quem é de fora é que todas as dúvidas devem ser encaminhadas
a um voluntário chinês
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A PEQUIM
Em meio à multidão de voluntários chineses que mal arranham o inglês e que saem pela tangente diante de qualquer
pergunta delicada, o turista encontra um rosto ocidental dentro de um uniforme colorido e
suspira aliviado. Em vão.
Porque logo descobrirá que
aquela figura mais familiar aos
seus olhos é apenas figuração.
Há uma ordem expressa, categórica, aos 935 voluntários
estrangeiros recrutados para
atuar nos Jogos de Pequim.
"A regra número 1, que repetem o tempo todo, é encaminhar a pessoa para um chinês.
Sempre, sempre, sempre", conta a paulista Lúcia Anderson,
25, selecionada como voluntária. "Eles deixam claro que os
estrangeiros não têm autonomia nem para orientações simples aos visitantes." Apenas
mais dois brasileiros foram escolhidos, diz Lúcia.
Ela ainda não os encontrou.
E, novo indício de como até o
voluntariado, pretensamente
ingênuo, é influenciado pelas
rígidas normas do regime chinês, a informação não é confirmada pelo comitê dos Jogos.
Nem esta nem nenhuma outra.
A Folha tentou ontem falar
por diversas vezes com responsáveis pelo programa. Segundo
o sistema de informações da
Olimpíada, a entrevista só poderia ocorrer por telefone. Foram passados dois números.
No primeiro, ninguém atendia.
O segundo passou o dia com sinal de ocupado.
O silêncio também é a norma
entre os voluntários. Sempre
sorridentes, mimetizando os
cartazes e painéis espalhados
do aeroporto ao centro da cidade, os chineses fecham a cara a
qualquer pedido de entrevista.
Da mesma maneira, não informam seus sobrenomes nem
os seus nomes em chinês. "É
Brian, só Brian", afirmou um
voluntário, apontando para o
crachá com o nome ocidental
que escolheu -prática no país
para, em tese, facilitar o entrosamento com estrangeiros.
Oficialmente, o número de
voluntários é 70 mil. Mas os dados passados aos participantes
do programa, no treinamento,
são bem diferentes.
Seriam 100 mil pessoas trabalhando diretamente nos Jogos, com direito ao indefectível
uniforme colorido, e outras
500 mil atuando nas ruas, em
hotéis e pontos turísticos.
Desses, apenas 935 são estrangeiros. Ou 0,15%. São 642
chineses para cada forasteiro.
"A impressão que temos é
que somos só uma formalidade, para o mundo ver. Nosso
treinamento foi num hotel superbom, almoçamos camarão,
chamaram a imprensa para cobrir", disse Lucia, que faz estágio numa empresa chinesa e vive em Pequim desde janeiro.
Opiniões parecidas lotam fóruns na internet criados por
candidatos a voluntários, alguns recrutados, muitos rejeitados. "A comunicação com os
voluntários é muito ruim, especialmente com os estrangeiros", escreveu um internauta
num site baseado em Xangai.
Todas essas dificuldades não
são coincidência, segundo Jia
Xijin, diretora do Departamento de Estudos de ONGs da Universidade Tsinghua, a segunda
mais importante da China. "O
governo chinês já tem uma estrutura própria para organizar
voluntários, e está usando-a
nos Jogos", afirmou.
Caso pensado, mais um na
Olimpíada que ainda nem começou. Caso que resume o espírito desta edição dos Jogos,
às vésperas da abertura: sorrisos por fora, travas por dentro.
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