São Paulo, terça, 4 de agosto de 1998

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JOSÉ ROBERTO TORERO
Crônica pouco útil para torcedores do Flu

da Equipe de Articulistas

Há dias em que tudo dá errado, mas um pequeno ato nos redime. São dias em que levamos bronca do chefe, rasgamos a camisa na maçaneta, um carro passa numa poça de lama e nos sapeca o terno branco, e almoçamos um hambúrguer estragado. Mas, então, na hora de voltar para casa, vemos nosso ônibus saindo e com uma corridinha conseguimos dar um salto e alcançá-lo. Esse pequeno pulo redime nosso dia e traz de volta nossa felicidade, nossa fé em Deus e a esperança de tempos melhores. É o que chamo de síndrome do ladrão da cruz. Aconteceu comigo três vezes no último fim-de-semana.
Na primeira estava na cozinha, tentando fazer uma omelete. Quebrei um prato, deixei um ovo cair no chão e, para piorar, levei um tombo depois de sapatear alguns instantes sobre a pasta formada pela gema e pela clara. Ainda deitado, vi que tinha posto o leite no fogo e ele ia derramar.
Levantei-me depressa e, depois de mais duas quedas, consegui girar o botão e impedir o pior. Foi um enorme alívio e uma sincera alegria apareceu em meu rosto sujo de ovo.
Na segunda vez estava todo ensaboado no chuveiro quando faltou luz e fiquei tremendo de frio debaixo de um gelado fio de água. Como estava com sabão nos olhos, tentei alcançar minha toalha, mas ela caiu no piso molhado. Ia começar a xingar a mãe de Thomas Edison quando a luz voltou e a água quente tornou a cair sobre mim. Nem me importei de ter que me enxugar com o tapete do banheiro.
A terceira e última vez aconteceu diante da TV, no fim-de-semana esportivo. Logo de cara vieram as derrotas de Guga e Meligeni. Mas era só começo. No domingo de manhã, como muitos brasileiros teimosos, sentei-me para assistir a corrida. Claro que não tinha ilusões, mas, no fundo, pensava: "Vai que todo mundo quebra e o Rubinho chega em primeiro, o Diniz em segundo e o Rosset em terceiro". Infelizmente, mais uma vez tudo ficou no sonho. Diniz foi o primeiro a quebrar, Barrichello parou logo depois e o Rosset nem largou.
À tarde veio o jogo de basquete entre Brasil e Espanha. Nosso time só tinha conseguido ganhar, e no sufoco, dos pigmeus coreanos, mas a esperança nunca morre. Pois bem, perdemos de novo.
Assim sendo, entrei no crepúsculo de domingo esperando pelo pior, e, quando o Cruzeiro fez um a zero no Santos na mais triste hora para se tomar um gol, aos 45min do primeiro tempo, lembrei que tinha um revólver guardado na gaveta. Mas aí as coisas começaram a mudar. O Santos conseguiu empatar e, aos 48min do segundo tempo, virou o jogo no Mineirão, obtendo uma vitória que nem o torcedor mais otimista esperava.
E assim como o ladrão da cruz conseguiu um passaporte para o céu nos últimos instantes da sua vida, meu fim-de-semana também foi salvo no finzinho. Isso prova, irmãos, que devemos ter sempre fé na vida, superando as adversidades com um sorriso generoso de quem espera dias melhores.
Agora, se você torce para o Fluminense, aí não tem jeito mesmo.


torero@uol.com.br


José Roberto Torero escreve às terças e sábados



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