São Paulo, sexta-feira, 04 de novembro de 2011

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ANÁLISE ATLETISMO

Sem medo de mudar a São Silvestre

Novo percurso é criticado, mas história da corrida não sustenta o argumento da tradição

RODOLFO LUCENA
COLUNISTA DA FOLHA

Em 1953, São Paulo recebeu o maior corredor da história. O tcheco Emil Zatopek, único vencedor dos 5.000 m, 10.000 m e da maratona em uma mesma Olimpíada, veio, viu e venceu a São Silvestre, largando da avenida Cásper Líbero e terminando na rua da Conceição.
Era o primeiro ano de um novo percurso da mais importante corrida de rua do Brasil, que já tivera outros seis trajetos. Desde então, a prova sofreu várias alterações de rota e horário. Neste ano, a chegada passa da Paulista para a região do Ibirapuera.
Segundo os organizadores, "é impossível manter a chegada na Paulista junto com o inicio do Réveillon e manter todos os serviços ativos como hidratação, devolução de chip, entrega de lanches e medalhas e área de apoio a equipes". Com a mudança, prometem, haverá mais segurança e conforto para a dispersão; também fica aberto caminho para o crescimento da prova -são esperados 40 mil corredores em 2014, na 90ª São Silvestre.
Um grupo de jornalistas esportivos e treinadores de corrida se levantou contra a novidade. Afirma que o novo trajeto apresenta mais risco para os corredores.
A maior crítica, porém, é quanto ao suposto rompimento com a história, como deixou claro a vice-presidente da Associação dos Treinadores de Corrida de São Paulo. "A São Silvestre é tradição", disse Martha Dallari à Folha. "E, como tradição, tem que acabar na Paulista."
A história da prova não sustenta essa afirmação.
A chegada da São Silvestre já ocorreu, por exemplo, na Ponte Pequena, na rua da Conceição e no Pacaembu. Além disso, o fato de alguma coisa ser tradicional ou ter acontecido repetidas vezes não lhe confere boa qualidade nem status de imutável.
Em muitas (todas?) culturas do mundo, há tradições que causam horror a outras comunidades, sem falar em grosseiras ofensas a elementares direitos humanos.
Mas não é preciso sair do terreno esportivo: até 1945, a tradição da São Silvestre era ser uma prova estritamente nacional; até 1975, a tradição da São Silvestre era ser uma prova apenas para homens.
Alguém aí acha que deve ser proibida a presença das mulheres? Ou de estrangeiros?
O que não significa que o novo percurso seja uma beleza. No feriado, corri os novos 15 km da São Silvestre e percebi trechos de brutal afunilamento, especialmente na saída da larga Consolação para a acanhada Rêgo Freitas.
O maior problema é o forte declive em parte do trecho final, depois que os corredores cruzam a Paulista e seguem pela avenida Brigadeiro em direção ao Ibirapuera. Estudos médicos mostram o aumento do número de lesões depois de corridas em descida; joelhos femininos são especialmente sensíveis a esse tipo de percurso.
Cabe ao corredor conhecer as condições de qualquer prova de que vá participar, procurando preparar o cor-po para o desafio.
No caso, é recomendável intensificar trabalhos de fortalecimento e treinar técnicas de corrida em descida.
Se considerar que determinada competição não lhe oferece as condições desejadas, não se inscreva, não corra, procure outro desafio.
Ao que tudo indica, porém, terminando na Paulista ou no Ibirapuera, a São Silvestre mantém sua atração: mais da metade das vagas já foram preenchidas, e os organizadores preveem que, no dia 31 de dezembro, 25 mil corredores vão encher de cor e suor as ruas de São Paulo.


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