São Paulo, segunda-feira, 05 de março de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL
O país das novelas

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Se as coisas continuarem como estão, o Corinthians corre o sério risco de ser rebaixado para a segunda divisão paulista, pela primeira vez em sua gloriosa história.
O que acontece com o Timão? As respostas que se ouvem são as mais diversas: falta de motivação dos jogadores, contratações erradas, pressão psicológica e barbeiragem do treinador.
Se todas elas têm sua parcela de verdade, penso que a última foi a que mais pesou na derrota de ontem para o Guarani.
O desenho da partida foi claro. No primeiro tempo, embora o Guarani tenha chutado duas bolas na trave, o Corinthians foi sempre perigoso, graças a seus dois jovens e velozes atacantes, Gil e Ewerton.
As estocadas dos dois mantinham o Bugre com o freio de mão puxado, mesmo depois do belíssimo gol de Pereira.
No meio do segundo tempo, Luxemburgo sucumbiu à velha idéia de "segurar o resultado" recuando o time. Tirou os dois garotos endiabrados, colocando em campo Gallo e um alquebrado Paulo Nunes.
O time ficou mais pesado e inofensivo, e o Guarani pôde partir para sua linda virada.
É impossível comentar o amistoso da seleção brasileira contra os EUA tendo visto apenas os três gols da partida no "Jornal Nacional".
A notícia não é o jogo em si, mas justamente o fato de nenhuma emissora, aberta ou fechada, ter se dado o trabalho de transmiti-lo no Brasil.
A Rede Globo, que em seu ufanismo desvairado transmitia ao vivo, não faz muito tempo, até embarque da seleção no aeroporto, desta vez achou que não valia a pena tocar na sua programação de novelas.
As outras emissoras, seja por falta de direitos, de dinheiro ou de interesse, foram pelo mesmo caminho.
Resultado: os brasileiros que têm acesso a canais pagos puderam ver, no sábado, Real Madrid x Barcelona, Reggiana x Bologna e até Rangers x Hearts, pelo campeonato escocês.
Os que têm de se contentar com a TV aberta -também conhecida como cloaca do universo- refestelaram-se com Flamengo x Fluminense, Ponte Preta x São Paulo ou Rio Branco x Santos.
Nenhum deles, entretanto, fosse rico ou pobre, gaúcho ou cearense, evangélico ou ateu, pôde assistir ao jogo da seleção brasileira.
É possível que ninguém tenha se importado muito com isso. Afinal, era só um amistoso contra os EUA, que além de tudo jogaria desfalcado.
Mas eu me importei. Desde pelo menos 1970, quando as Copas do Mundo começaram a ser transmitidas ao vivo, ver todos os jogos da seleção brasileira tornou-se, mais que um hábito, uma espécie da fato natural da vida.
Será que só eu queria ver o primeiro amistoso da seleção de Leão, com Romário e Ronaldinho em campo, no mesmo estádio em que o Brasil conquistou sua última Copa?
Será que não havia pelo menos meia dúzia de colorados que gostariam de rever Christian, ou uns 15 corintianos com saudades de Silvinho?
Talvez o desprezo televisivo pelo jogo da seleção seja um sinal dos tempos.
Talvez as novelas das seis, das sete e das oito supram hoje a necessidade de fantasia do grande público. Talvez o futebol tenha se tornado um mero manancial de personagens para aparecer na "Caras", nas revistas gays ou nas páginas de escândalos dos jornais.
Espero estar exagerando. Vamos ver o que acontece na próxima quarta-feira, quando México e Brasil jogarão num horário aparentemente menos prejudicial à grade da Globo.
Os pênaltis obrigatórios para as partidas terminadas em empate no Paulistão tiveram ontem seu momento de mais sublime ridículo.
Na disputa de um mísero pontinho, Palmeiras e Internacional de Limeira, que não conseguiram fazer nem um gol no tempo normal, bateram 14 pênaltis cada um.
Demorou tanto que mandaram acender as luzes do Parque Antarctica, e boa parte do público foi embora mesmo antes de saber o resultado final da tediosa maratona.
Os que ficaram no estádio estavam talvez motivados pela esperança de assistir a um evento que entrasse para a história, ainda que pela porta da galhofa. Algo como uma nota de pé de página no "Livro Guinness dos Recordes".
E-mail: jgcouto@uol.com.br



Texto Anterior: Vôlei - Cida Santos: Futuro ameaçado
Próximo Texto: Os números do campeonato paulista-2001: O incrível time das mil faltas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.