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FUTEBOL
O primeiro campeonato
JOSÉ ROBERTO TORERO
Papai, o Brasil é tudo o que vovô
disse e muito mais. As coisas agora estão mais organizadas com esse negócio de Capitanias Hereditárias, se bem que umas vão bem e
outras quase abandonadas. Mas
com um pouco de engenho a coisa
vai longe. Há até um campeonato
brasileiro de futebol, que os locais
chamam de Brasileirão.
Os colonos dão muita atenção a
esse torneio. Chegam a fazer grandes excursões para ver os seus times jogarem e no meio do caminho ainda encontram tempo para
prenderem uns índios. Como essas torcidas agitam grandes bandeiras com os brasões de seus times, os torcedores são chamados
de bandeirantes.
A coroa portuguesa, é claro, cobra o quinto das arrecadações.
Existe também um jornal que
fala só sobre este campeonato, o
"Esportes d'Além-Mar". Consegui
ali um emprego de repórter, de
modo que vejo muitos jogos e já
entendo do assunto.
A cada ano mudam as regras do
Brasileirão. Dessa vez, foi dividido
em dois grupos, o sul e o norte.
No sul estavam os times de Santana, Santo Amaro, São Vicente,
Rio de Janeiro, Paraíba do Sul, Espírito Santo e Porto Seguro.
Já o norte contava com as equipes de Ilhéus, Bahia de Todos os
Santos, Pernambuco, Itamaracá,
Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Pará.
Foi um campeonato difícil. No
grupo Sul a disputa foi familiar,
porque o donatário Pero Lopes de
Sousa possuía duas capitanias,
Santana e Santo Amaro, e seu irmão caçula Martim Afonso também tinha dois times, São Vicente
e Rio de Janeiro. O São Vicente
acabou com o título. E os dois irmãos nem se falam mais.
Já o grupo norte foi um passeio.
Pernambuco, dirigido pelo experiente Duarte Coelho, ganhou fácil. Bahia de Todos os Santos,
Ilhéus, Itamaracá e Porto Seguro
foram times preguiçosos, e os outros só fizeram número.
Nem tudo, porém, foram rosas
nessa competição inaugural. Como os deslocamentos aqui são
muito longos e difíceis, alguns jogos não aconteceram por causa de
naufrágios e ataques de onça.
Coisas do futebol.
A final entre São Vicente e Pernambuco foi disputada às margens do rio Maracanã.
São Vicente tinha entre suas
principais atrações o meia-armador Pagé, que fazia milagres com
a bola, e o conhecido ataque dos
cinco Ramalhos, composto por filhos do degredado João Ramalho.
Pernambuco, por sua vez, era
uma equipe engenhosa formada
por dez caetés e um bispo português chamado Sardinha, que jogava de goleiro. Curiosamente o
bispo não aceitava jogar nu como
todos os outros, de modo que usava a batina como uniforme.
Pois eis que o jogo foi muito difícil, disputado em seus noventa
minutos, sem que ninguém conseguisse tirar o zero do marcador.
Mas então, no último lance, Peri
Ramalho passou para Caubi Ramalho, que matou no peito e chutou de primeira. O coco saiu fraco
(felizmente não se usam mais os
crânios de macaco, mas cocos, que
são mais macios), mas, por ironia
do destino, o bispo Sardinha atrapalhou-se com a batina, e o coco
entrou no gol de Pernambuco. O
juiz apitou logo depois.
Enquanto os vicentinos comemoravam, os caetés de Pernambuco foram para cima do bispo
Sardinha e, não contentes em lhe
dar bordoadas, acabaram por comer o pobre goleiro. Para o próximo ano será difícil encontrar um
arqueiro para Pernambuco.
Um abraço do seu filho, Pero
Vaz de Caminha Neto.
E-mail torero@uol.com.br
José Roberto Torero escreve às sextas e às
terças-feiras
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