São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2000


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FUTEBOL
O primeiro campeonato

JOSÉ ROBERTO TORERO

Papai, o Brasil é tudo o que vovô disse e muito mais. As coisas agora estão mais organizadas com esse negócio de Capitanias Hereditárias, se bem que umas vão bem e outras quase abandonadas. Mas com um pouco de engenho a coisa vai longe. Há até um campeonato brasileiro de futebol, que os locais chamam de Brasileirão.
Os colonos dão muita atenção a esse torneio. Chegam a fazer grandes excursões para ver os seus times jogarem e no meio do caminho ainda encontram tempo para prenderem uns índios. Como essas torcidas agitam grandes bandeiras com os brasões de seus times, os torcedores são chamados de bandeirantes.
A coroa portuguesa, é claro, cobra o quinto das arrecadações.
Existe também um jornal que fala só sobre este campeonato, o "Esportes d'Além-Mar". Consegui ali um emprego de repórter, de modo que vejo muitos jogos e já entendo do assunto.
A cada ano mudam as regras do Brasileirão. Dessa vez, foi dividido em dois grupos, o sul e o norte.
No sul estavam os times de Santana, Santo Amaro, São Vicente, Rio de Janeiro, Paraíba do Sul, Espírito Santo e Porto Seguro.
Já o norte contava com as equipes de Ilhéus, Bahia de Todos os Santos, Pernambuco, Itamaracá, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Pará.
Foi um campeonato difícil. No grupo Sul a disputa foi familiar, porque o donatário Pero Lopes de Sousa possuía duas capitanias, Santana e Santo Amaro, e seu irmão caçula Martim Afonso também tinha dois times, São Vicente e Rio de Janeiro. O São Vicente acabou com o título. E os dois irmãos nem se falam mais.
Já o grupo norte foi um passeio. Pernambuco, dirigido pelo experiente Duarte Coelho, ganhou fácil. Bahia de Todos os Santos, Ilhéus, Itamaracá e Porto Seguro foram times preguiçosos, e os outros só fizeram número.
Nem tudo, porém, foram rosas nessa competição inaugural. Como os deslocamentos aqui são muito longos e difíceis, alguns jogos não aconteceram por causa de naufrágios e ataques de onça. Coisas do futebol.
A final entre São Vicente e Pernambuco foi disputada às margens do rio Maracanã.
São Vicente tinha entre suas principais atrações o meia-armador Pagé, que fazia milagres com a bola, e o conhecido ataque dos cinco Ramalhos, composto por filhos do degredado João Ramalho.
Pernambuco, por sua vez, era uma equipe engenhosa formada por dez caetés e um bispo português chamado Sardinha, que jogava de goleiro. Curiosamente o bispo não aceitava jogar nu como todos os outros, de modo que usava a batina como uniforme.
Pois eis que o jogo foi muito difícil, disputado em seus noventa minutos, sem que ninguém conseguisse tirar o zero do marcador.
Mas então, no último lance, Peri Ramalho passou para Caubi Ramalho, que matou no peito e chutou de primeira. O coco saiu fraco (felizmente não se usam mais os crânios de macaco, mas cocos, que são mais macios), mas, por ironia do destino, o bispo Sardinha atrapalhou-se com a batina, e o coco entrou no gol de Pernambuco. O juiz apitou logo depois.
Enquanto os vicentinos comemoravam, os caetés de Pernambuco foram para cima do bispo Sardinha e, não contentes em lhe dar bordoadas, acabaram por comer o pobre goleiro. Para o próximo ano será difícil encontrar um arqueiro para Pernambuco.
Um abraço do seu filho, Pero Vaz de Caminha Neto.

E-mail torero@uol.com.br


José Roberto Torero escreve às sextas e às terças-feiras

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