|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
Confissões de quem não torce por decreto
Por onde quer que você passe,
está lá a pressão para torcer
pelo Brasil na Copa do Mundo,
um decreto-lei não escrito, mas
poderoso, que é editado de quatro em quatro anos.
Há apelos até criativos, como o
da caninha 51, que usa o slogan
"Penta mais um" (ou 51, para os
mais distraídos), ordenando a
seus consumidores que encham a
cara até que venha o penta que
não é penta. Se vier, será o quinto
título, mas penta, no meu tempo,
só valia para quem ganhasse cinco vezes consecutivas.
Há apelos que são irritantes como os de todo o noticiário da
Rede Globo em torno da Copa. De
tão melosos, de tão patrioteiros,
dá vontade até de torcer contra.
Torcer para o Irã, por exemplo,
só para provocar. É bom que o
leitor saiba que estou fora dessa
obrigatoriedade de torcer pelo
Brasil só por ter nele nascido.
Nada contra o país. Mas, para
citar Nelson de Sá, em sua coluna
de ontem, o encanto que me provocam astros do esporte em geral
e do futebol em particular é "para o prazer do consumidor e não
(para) a glória da pátria".
É isso, exatamente isso. Ou, visto pelo avesso: se o balé Bolshoi,
digamos, é bom, mas é russo, não
brasileiro, sou obrigado a torcer
para que a bailarina principal
quebre a perna ou escorregue pateticamente no melhor momento?
Futebol é a mesma coisa. É (ou
deveria ser) um grande balé, um
espetáculo, dado por atores globais quer vistam a camisa amarela da CBF ou qualquer outra.
O Cony vem insistindo em suas
colunas sobre a Copa que a tal de
globalização começou pelo futebol. É bem possível. Basta ver
que, dos 11 titulares de Zagallo,
só 3 jogam no futebol brasileiro
(Taffarel, aliás já de saída, Júnior
Baiano e Bebeto).
Tudo somado, torço invariavelmente por quem dá prazer ao
"consumidor", chame-se Holanda (1974), Argentina (1986) ou
até Brasil (em 1970 e 1982).
O resultado final da Copa, para
mim, é até secundário, mesmo
porque o futebol consegue ser
uma das poucas atividades humanas, talvez a única, em que a
história não é escrita necessariamente pelos vencedores.
O que ficou da Copa de 54 foram os nomes dos húngaros Kocsis, Czibor e, acima de tudo, Puskas, não dos alemães ganhadores.
E não deve ser mera coincidência o fato de o técnico derrotado
em 1982 (Telê Santana) ter continuado à frente da seleção para a
Copa seguinte, ao passo que o
técnico vencedor de 1994 (Carlos
Alberto Parreira) está, quatro
anos depois, dirigindo a modestíssima Arábia Saudita.
A seleção de Telê perdeu, mas
encantou o consumidor. A de
Parreira ganhou, mas irritou-o.
Por tudo isso, meu coração só
será verde-e-amarelo se o time
brasileiro jogar bonito, perdendo
ou ganhando. Em caso contrário,
estou ainda à procura de alguém
que encante o inveterado consumidor de futebol que sou.
A coluna de ontem dizia que falta um "não-sei-quê" para a seleção brasileira. Se verdadeira a
informação divulgada ontem pela rádio Jovem Pan, segundo a
qual Rivaldo, Edmundo e Leonardo foram aos tapas (ou quase)
após o amistoso contra o Athletic
de Bilbao, o "não-sei-quê" só pode ser excesso de estrelismo.
Coisa muito difícil de curar,
ainda mais às vésperas do início
de uma competição. Mas a cura
certamente não é o chá de banco
que Zagallo deu em Edmundo
anteontem, ao que tudo indica
como castigo por algo que o mortal comum ignora.
Em 1974, houve problemas semelhantes e deu no que deu (o
vexame contra a Holanda).
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|