São Paulo, sexta, 5 de junho de 1998

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CLÓVIS ROSSI

Confissões de quem não torce por decreto

Por onde quer que você passe, está lá a pressão para torcer pelo Brasil na Copa do Mundo, um decreto-lei não escrito, mas poderoso, que é editado de quatro em quatro anos.
Há apelos até criativos, como o da caninha 51, que usa o slogan "Penta mais um" (ou 51, para os mais distraídos), ordenando a seus consumidores que encham a cara até que venha o penta que não é penta. Se vier, será o quinto título, mas penta, no meu tempo, só valia para quem ganhasse cinco vezes consecutivas.
Há apelos que são irritantes como os de todo o noticiário da Rede Globo em torno da Copa. De tão melosos, de tão patrioteiros, dá vontade até de torcer contra.
Torcer para o Irã, por exemplo, só para provocar. É bom que o leitor saiba que estou fora dessa obrigatoriedade de torcer pelo Brasil só por ter nele nascido.
Nada contra o país. Mas, para citar Nelson de Sá, em sua coluna de ontem, o encanto que me provocam astros do esporte em geral e do futebol em particular é "para o prazer do consumidor e não (para) a glória da pátria".
É isso, exatamente isso. Ou, visto pelo avesso: se o balé Bolshoi, digamos, é bom, mas é russo, não brasileiro, sou obrigado a torcer para que a bailarina principal quebre a perna ou escorregue pateticamente no melhor momento?
Futebol é a mesma coisa. É (ou deveria ser) um grande balé, um espetáculo, dado por atores globais quer vistam a camisa amarela da CBF ou qualquer outra.
O Cony vem insistindo em suas colunas sobre a Copa que a tal de globalização começou pelo futebol. É bem possível. Basta ver que, dos 11 titulares de Zagallo, só 3 jogam no futebol brasileiro (Taffarel, aliás já de saída, Júnior Baiano e Bebeto).
Tudo somado, torço invariavelmente por quem dá prazer ao "consumidor", chame-se Holanda (1974), Argentina (1986) ou até Brasil (em 1970 e 1982).
O resultado final da Copa, para mim, é até secundário, mesmo porque o futebol consegue ser uma das poucas atividades humanas, talvez a única, em que a história não é escrita necessariamente pelos vencedores.
O que ficou da Copa de 54 foram os nomes dos húngaros Kocsis, Czibor e, acima de tudo, Puskas, não dos alemães ganhadores.
E não deve ser mera coincidência o fato de o técnico derrotado em 1982 (Telê Santana) ter continuado à frente da seleção para a Copa seguinte, ao passo que o técnico vencedor de 1994 (Carlos Alberto Parreira) está, quatro anos depois, dirigindo a modestíssima Arábia Saudita.
A seleção de Telê perdeu, mas encantou o consumidor. A de Parreira ganhou, mas irritou-o.
Por tudo isso, meu coração só será verde-e-amarelo se o time brasileiro jogar bonito, perdendo ou ganhando. Em caso contrário, estou ainda à procura de alguém que encante o inveterado consumidor de futebol que sou.

A coluna de ontem dizia que falta um "não-sei-quê" para a seleção brasileira. Se verdadeira a informação divulgada ontem pela rádio Jovem Pan, segundo a qual Rivaldo, Edmundo e Leonardo foram aos tapas (ou quase) após o amistoso contra o Athletic de Bilbao, o "não-sei-quê" só pode ser excesso de estrelismo.
Coisa muito difícil de curar, ainda mais às vésperas do início de uma competição. Mas a cura certamente não é o chá de banco que Zagallo deu em Edmundo anteontem, ao que tudo indica como castigo por algo que o mortal comum ignora.
Em 1974, houve problemas semelhantes e deu no que deu (o vexame contra a Holanda).



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