São Paulo, sexta, 5 de junho de 1998

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JANIO DE FREITAS

As várias batalhas na França

Na mesma medida em que a Copa se aproxima, crescem na França duas expectativas contraditórias, envolvendo na ansiedade o governo e a população.
De uma parte, governo, mídia e organizadores da Copa do Mundo esperam que a indiferença francesa ceda ao entusiasmo quando começarem os eventos comemorativos, depositando-se a maior dose de confiança na "Festa do Futebol".
O próprio feitio dessa festa, no dia 9, evidencia o seu propósito de afinal despertar os parisienses, e com isso o restante da França, para a guerra esportiva a iniciar-se no dia seguinte.
De vários pontos de Paris vão iniciar-se desfiles, com previsíveis ares carnavalescos, convergindo todos para uma grande concentração na Place de la Concorde, o mais belo espaço vazio do mundo, um monumento ao vazio urbano na civilização que a tudo quer preencher para explorar.
Os franceses sonham com desempenhos da sua "équipe bleue" que a levem, mesmo que sem maiores brilhos, a uma final França x Brasil ou França x Alemanha.
Sonham, mas temem estar sonhando alto demais.
E, porque temem, recolhem-se, contêm o interesse, encobrem o sonho do improvável com o pesadelo do possível.
A Copa do Mundo faz ressurgir no sindicalismo francês a lembrança de grandes feitos seus em um tempo que muitos acreditam historicamente encerrado. E lembrança, no caso, é a percepção da oportunidade de dar à Copa um sentido também político, na ótica do sindicalismo.
Se fosse só a Air France a ameaçar com a suspensão das atividades, a preocupação maior ficaria só para o governo.
Além do problema prático em si, por seus reflexos nos olhares mundiais que se voltam para a França da Copa.
A possibilidade de greve nacional de trens e, sobretudo, dos ônibus e do metrô de Paris já significa, porém, a ameaça de um transtorno social.
Em nome de causas sociais, mas, como é próprio dos paradoxos de tais lutas, provocando tensão política e inquietações socialmente disseminadas mesmo quando nada ultrapassa o estágio de possibilidade e, em relação às dimensões tão extensas, remota.
Por trás desse cenário, o que se vislumbra é a velha insuficiência de sutileza nas análises e táticas do que se denomina, genericamente demais, esquerda.
Eleito em represália aos excessos anti-sociais dos centro-direitistas do presidente Chirac, o primeiro-ministro Lionel Jospin montou e conduz um ministério que busca, já com evidentes êxitos preliminares, a resolução de problemas que não são apenas graves, mas tão complicados quanto o desemprego e os imigrantes irregulares.
Em termos políticos, o governo de Jospin, eleito com apoio do sindicalismo adormecido contra os anti-sindicalistas ativos, é que será o maior atingido pelo sindicalismo (talvez) redesperto.
Ou seja, os beneficiários políticos de uma greve tormentosa, como a imaginam os sindicalistas, seriam os direitistas de todos os matizes.
A Copa na França não se limitará a encerrar as batalhas que se prolongaram por dois anos, com as eliminatórias.
É a ocasião para o confronto pelo controle da Fifa, um poder internacional.
E a oportunidade para tentativas de reabrir, no irradiador de idéias e atitudes que é a França, confrontos que pareciam modas superadas.



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