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FUTEBOL
Fé demais
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Crente leitora, cretino
leitor, uma das maiores
preocupações dos pensadores esportivos do nosso tempo tem sido
encontrar uma metáfora capaz
de explicar porque, jogo após jogo, campeonato após campeonato, alguns de nós nos sentimos cada vez mais ligados ao futebol, viciados em futebol, dependentes de
futebol.
Já se tentou compará-lo à guerra, ao alcoolismo e até mesmo ao
sexo. No fim das contas, nenhuma dessas atividades se revelou
plausível como analogia.
Meu palpite é que o futebol é,
antes de tudo, uma religião. Os
pontos em comum são muitos:
Assim como as seitas, o futebol
tem templos (estádios) que todos
os fins de semana recebem uma
multidão de fiéis (torcedores),
que pagam dízimos (ingressos),
rezam e entoam cânticos (hinos).
Assim como os fiéis, os torcedores têm orgulho de exibir os símbolos da sua fé. Só que, em vez de
solidéus e crucifixos, usam bonés,
camisas, chaveiros e escovas de
dente com o emblema do time.
Em seus carros, no lugar de "Cristo Salva!", há mensagens como
"Até a pé ou neste Fusquinha nós
iremos aonde o Grêmio estiver"
ou coisas bem menos sutis, como
"Sou Fludido".
Também como os crentes, os
torcedores preferem se encontrar
e fazer amizade com pessoas que
comunguem dos seus valores.
Além de se sentirem melhor em
companhia daqueles que conhecem a verdade, eles podem confirmar mais facilmente o santo legado que vem sendo passado de pai
para filho.
Assim como um cristão normalmente ignora os ensinamentos de
Buda e não quer saber do Alcorão, um torcedor costuma ter por
regra não se interessar pelas coisas das outras equipes. Um simples ímã de geladeira do adversário pode levá-lo à loucura, e muitos têm alergia só de pensar em
vestir a camisa dos infiéis.
Há também uma história sagrada, à qual todos se referem nos
momentos de desânimo.
Vitórias do passado, milagres e
injustas perseguições dos árbitros
são lembradas num ritual cujo
objetivo é espantar a incerteza e a
dúvida, os grandes inimigos de
qualquer religião.
Não faltam também patriarcas
fundadores, profetas que anunciam tempos melhores, mártires,
missionários e anjos vingadores.
E, é claro, há o grande messias,
que pode se chamar Zico, Ademir
da Guia, Raí, Sócrates, Falcão,
Garrincha ou Pelé. E este messias
é o símbolo da vitória contra as
forças do mal.
O pior é que, da mesma forma
que a religião, o futebol tem no
seu passado um rastro de guerras,
ódios, brutalidades, agressões injustificadas e intolerância. As lutas entre cristãos e protestantes,
ou judeus e muçulmanos, têm
mais em comum com as guerras
de torcedores do que sonha a nossa vã sociologia do esporte.
Sou, paradoxalmente, santista e
ateu convicto, mas acredito que
na religião e no futebol devemos
ter respeito pela fé alheia.
É como já dizia o título de um
velho filme de Steve Martin: "Fé
demais não cheira bem".
Z
Zonzo tinha tal alcunha porque
estava sempre neste estado. A
causa era a aguardente que o
atacante bebia desde os primeiros raios de sol. Zonzo era um
alcoólatra veterano e inveterado. Por conta disso, suas pernas
estavam sempre bambas e os
zagueiros nunca sabiam se ele
iria para a direita ou para a esquerda, parar ou seguir, passar
ou chutar. Isto fazia dele um
fantástico atacante. O sucesso
de Zonzo teve fim quando o novo padre chegou à cidade. Com
paciência e devoção, o santo
homem fez com que o jogador
parasse de beber. Zonzo perdeu
seu futebol. Foi para os bancos
da igreja e dos reservas. Os torcedores da cidade ainda estão
em dúvida sobre o assunto, e
muito se discute se o novo padre é um servo de Deus ou do
Diabo.
E-mail torero@uol.com.br
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