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Corintiano vigia própria performance
Torcida festeja empate como título, mas passa jogo preocupada em fiscalizar cumprimento de "manual" que "ensina" fãs
Cambistas comercializam ingressos com preço mais baixo que o da bilheteria e
cartolas trocam o drama
em campo pela política
RICARDO PERRONE
DO PAINEL FC
No dia em que enfim viram
seu time sair da zona do rebaixamento do Brasileiro, os torcedores do Corinthians comemoraram um empate em casa
como poucas vezes na história.
Aos gritos de "maloqueiro e
sofredor" e "segunda divisão é
coisa do Palmeiras" deixaram o
Pacaembu como se a equipe tivesse vencido o Atlético-PR.
Pelo tamanho da festa, pareciam não ter notado que um time na rabeira da tabela não poderia ter deixado escapar dois pontos em seu território. Desfecho de uma tarde em que o
corintiano se preocupou mais
com o próprio torcedor do que
com os jogadores do time.
Essa é a estratégia usada
diante da ameaça de rebaixamento: a torcida fez para a própria torcida faixas que serviam
como um manual de comportamento. Uma delas ensinava até
como deveriam ser usadas as
bexigas distribuídas a cada um
dos torcedores. Deveriam ser
jogadas para cima, e não estouradas na entrada da equipe.
Já os jogadores não tiveram
direito nem a ouvir seus nomes
entoados pelos torcedores, um
a um, antes de o jogo começar,
prática comum entre a maioria
das organizadas do país.
Há alguns jogos os corintianos deixaram de gritar os nomes de seus atletas. Ontem,
nem Felipe teve direito a homenagem antes do início.
E, com a bola rolando, após a
primeira difícil defesa feita por
ele no jogo, um grupo de quatro
adolescentes puxou um coro
para saldar o camisa 1. Foi abafado pelo berro de um torcedor,
com certeza mais maduro.
"Grita Corinthians", ordenou.
Só um exemplo de como os
corintianos monitoraram os
próprios torcedores.
Alguns deles deixaram de ver
parte da partida.
Como um, vestindo a camisa
do argentino Carlitos Tevez,
parcialmente encoberta por
uma regata do clube. De costas
para o gramado, colocava a mão
no ouvido e provocava os demais: "Não estou ouvindo vocês, quero ouvir vocês", dizia
para incentivar quem estava
por perto na arquibancada.
Ao seu lado, outro enchia os
pulmões para se fazer ouvir:
"Se cair, eu te levanto". Parecia
ser uma promessa de empurrar
o time caso se concretize o rebaixamento. Não era.
Oferecia ajuda a um torcedor
na faixa dos 50 anos, aparentemente embriagado, que, de costas para o campo, fazia força para se escorar com uma mão no
alambrado. Com a outra, tentava reger a torcida.
O gol logo no início espalhou
um clima de festa pelo estádio.
Mais uma vez, alguns torcedores deixaram de prestar atenção no time para admirar a si
mesmos. Munidos de celulares
com câmeras, fotografavam a
coreografia nas arquibancadas.
Nas tribunas, no intervalo, a
equipe também não era o centro das atenções. Os cartolas
pareciam ignorar o calvário do
clube. Falavam só de política.
O presidente Andrés Sanches
não estava por lá. Segundo seus
aliados, ficou nas cadeiras, num
lugar em que costuma sentar-se para dar sorte.
No mesmo setor, os torcedores deixaram o Pacaembu menos empolgados com o empate.
E se esforçaram para driblar a
blindagem feita pelas organizadas para evitar vaias.
Xingaram o ala Iran. O técnico Nelsinho não escapou do coro de "burro". As duas manifestações, porém, foram abafadas
pelos gritos de "Corinthians"
que vinha das arquibancadas.
Por lá, o barulho feito para
empurrar a equipe só diminuiu
no segundo gol atleticano. Uma
inesperada coreografia tomou
conta do estádio. Por alguns
minutos, os torcedores ficaram
com as mãos na cabeça. Outros
cobriam o rosto com as mãos,
como se rezassem. Muitos desabaram no chão.
Enquanto parte da torcida
tentava reanimar o estádio entoando "Eu nunca vou te abandonar" para o time, famílias
deixavam o Pacaembu.
Ao mesmo tempo, 11 policiais
militares se agrupavam em
frente a um portão no alambrado, no mesmo ponto em que, no
ano passado, a torcida tentou
invadir o gramado na noite da
derrota para o River Plate que
tirou o time da Libertadores.
Provavelmente, a PM temia
que a torcida cumprisse a promessa feita antes de o jogo começar, numa das poucas ameaças feitas ontem. Enquanto o placar eletrônico pedia o apoio
de todos, as organizadas cantavam: "Se o Corinthians não ganhar, o pau vai quebrar".
Mas o sentimento coletivo
era mais de decepção do que de
revolta. E o segundo gol corintiano afastou de vez a chance de
um fim de tarde violento.
O gol de Finazzi também serviu para mostrar que, nem em
um momento crucial do jogo,
alguns corintianos estavam
atentos ao time. Um grupo de
quatro deles discutia se o gol tinha sido de Finazzi ou de Betão. Foram interrompidos por
outro, que fazia questão de exibir um ingresso da histórica final do Paulista de 77. Estranho.
Assim como os cambistas
que vendiam antes da partida
ingressos de cadeira que valiam
R$ 40 por R$ 30. E como o pequeno número de torcedores
que comemorou o primeiro gol
do Sport, adversário na disputa
contra o rebaixamento, sobre o
rival Palmeiras. Em outras circunstâncias, o estádio inteiro
teria vibrado com o anúncio
feito pelo placar eletrônico.
Mesmo placar que divulgou o
próximo episódio da agonia corintiana. Lembrou aos torcedores alvinegros que hoje começam a ser vendidas passagens para a caravana que as torcidas
organizadas estão montando
para acompanhar a partida em
Goiânia, no próximo domingo,
uma final às avessas.
Colaboraram EDUARDO ARRUDA e PAULO
GALDIERI , da Reportagem Local
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