São Paulo, Domingo, 05 de Dezembro de 1999


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Complexo de vira-latas

TOSTÃO
Colunista da Folha

Após o apito do juiz na final da partida entre Palmeiras e Manchester, os telespectadores brasileiros ficaram perplexos diante da pouca alegria dos ingleses, próxima da indiferença.
Parecia que tinham ganho um torneio de pelada.
Esse comportamento é natural de um povo frio, austero e de primeiro mundo ou consequência da pouca importância que deram ao título não oficial, disputado num único jogo?
Provavelmente as duas razões.
Não estou preocupado com o comportamento dos ingleses e sim com a excessiva importância que o Brasil dá ao futebol.
O povo brasileiro vibra, chora, xinga e fica alucinado com seu time. A televisão ufana-se e dá ao espetáculo e à equipe brasileira um valor acima de qualquer expectativa. Quanto mais badalar, maior é o faturamento.
O Brasil não precisa ser frio e indiferente como os ingleses, nem fazer de uma decisão o acontecimento maior de sua vida.
O país ficou mais desumano e os torcedores projetam toda sua frustração e falta de oportunidade no esporte.
Eles deveriam transferir um pouco de sua emoção e vibração para a cobrança dos problemas urgentes do país.
Em outras épocas, além da vitória, havia um prazer, um sentimento de vingança e uma vontade de jogar a bola entre as pernas dos europeus.
Era uma maneira de dizer: "Vocês são mais ricos e desenvolvidos, mas no futebol somos melhores".
Os times brasileiros que vão disputar o título em Tóquio passam seis meses preocupados com a partida.
A ansiedade, expectativa e importância exagerada ao jogo minam progressivamente a tranqüilidade que é necessária para essa partida.
Os jogadores se sentem como soldados que vão para a guerra, intranqüilos, próximos da glória e do fracasso.
O medo de perder e de ter uma nova desilusão destrói a confiança. Os brasileiros são derrotados antes dos jogos, por causa de suas inferioridades psíquicas.
É a volta do "complexo de vira-latas" (Nelson Rodrigues).
Será que saberemos hoje quem serão os finalistas do Campeonato Brasileiro?
O Vitória, que joga em casa e tem ótimos armadores e atacantes, vai pressionar e ter grandes chances de fazer gols.
Do outro lado, o Atlético-MG, que vem de quatro vitórias consecutivas no Mineirão e tem novo técnico, faz hoje seu grande teste.
O time, que tem um rápido e habilidoso contra-ataque (se Marques jogar), pode aproveitar a fragilidade da defesa adversária.
Não sei quem fará mais falta ao Galo: sua apaixonada torcida ou a provável ausência do Marques.
A vantagem do Corinthians pode ser boa ou ruim.
Ela pode gerar uma confiança exagerada, uma falta de desejo de procurar o gol e perturbar ou incentivar o São Paulo.
As reações humanas são analisadas posteriormente, mas não são previstas.
O São Paulo tem que rezar para que seus zagueiros não cometam tantos erros.
O problema não é somente de posicionamento, mas principalmente de qualidade.
O time terá os reforços ofensivos do Ânderson e do Vágner pelo lado direito, e defensivo, com a ausência do Nem na zaga.
Se eu fosse apostar na loteria e somente pudesse marcar um resultado, votaria num empate nos dois jogos.
Teria um terço de chance de acertar. É mais ou menos a mesma possibilidade de o Dida defender um outro pênalti.
Do meu escritório, em minha casa, aprecio a chuva, as flores e os animais.
Estou descobrindo coisas importantes. Uma delas é o desabrochar das hortênsias, formando um conjunto harmonioso: umas de cores brancas, outras roxas e as azuis. Belo e simples.
Outra descoberta é a do pica-pau de cabeça vermelha, com seu enorme bico, que conhecia somente dos desenhos animados e revistas em quadrinhos.
Outro dia vi um beija-flor parado no ar, como o Dadá Maravilha e o helicóptero. Começo a aprender a ver e sentir, sem entender.
No filme "Zorba, O Grego", Zorba, homem simples, inculto, mas sábio e pleno de vida, pergunta ao seu patrão, homem reflexivo, contido e culto, que não parava de ler: "O que os seu livros falam da vida após a morte?".
O homem sério responde: ""Os livros não sabem a resposta". Zorba, decepcionado, retruca: ""Então seus livros não sabem de nada".
Sempre fui uma pessoa urbana querendo compreender o sentido da vida, os mistérios, os conflitos e a ambivalência da alma humana. Pra quê?
Não sei o que mais gostava ao ver a Ana Moser jogar: sua alma guerreira, suas cortadas magistrais ou a bela expressão austera, concentrada, determinada e enigmática. Ana não foi uma estrela passageira do vôlei.
Seu brilho será eterno.
A Folha perdeu Juca Kfouri, referência do bom e independente jornalismo esportivo, e ganhou a Soninha, que tem opinião sensata, inteligente e profunda.


Tostão escreve aos domingos e às quartas-feiras



Texto Anterior: Quando a bola rolar, e parar, preste atenção
Próximo Texto: Futebol no Mundo - Rodrigo Bueno: Tóquio
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.