São Paulo, terça-feira, 05 de dezembro de 2000

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FUTEBOL

O dia mais feliz das suas vidas

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Leitores, eu vos pergunto: Qual o dia mais feliz das vossas vidas?
Creio que uns dirão que foi quando conheceram sua esposa, outros que foi quando se separaram dela, uns que foi quando marcaram um gol do meio de campo, outros que foi quando receberam aumento, uns foi quando nasceu o filho, outros quando morreu o cunhado bêbado.
Para Guga, o dia mais feliz de sua vida foi neste domingo. Ele tornou-se o primeiro campeão mundial de tênis, o primeiro brasileiro a ser considerado o melhor tenista do planeta. Foi um dia perfeito: ele dominou Agassi, conseguiu 17 aces, fez sei lá quantos lances brilhantes e jogou a melhor partida de sua vida.
Depois desfilou com a bandeira, elogiou o inimigo, falou em português e foi entendido, agradeceu aos pega-bolas, aos fisioterapeutas e aos organizadores.
Neste torneio o seu percurso também foi perfeito. Ele venceu o ex-número um Pete Sampras, legitimando sua sucessão, e na final venceu Andre Agassi, justamente aquele que o havia derrotado na primeira rodada.
E vencer uma revanche sempre tem um gosto especial.
Mas a perfeição não acabou aí. Guga dedicou a vitória à família, à torcida, mas principalmente à sua mãe, a quem foi abraçar, rompendo o protocolo. Então não houve olho que não marejasse, beiço que não tremesse.
Foi um dia perfeito, um campeonato perfeito, ganho no último jogo da última competição, e ele tornou-se o primeiro número um. Para quem gosta de tênis também foi um dia feliz. Não só porque Guga é brasileiro, mas porque há um prazer a mais em torcer para ele. Guga é um tipo de ídolo que não tínhamos há muito tempo, um cara legal, um tipo simpático que, ainda por cima, tem a particularidade de possuir apelido. No tênis isso é algo inédito para nós, que estamos acostumados a torcer por atletas de nomes um tanto pomposos, como Carlos Alberto Kirmayr e Thomas Koch. Guga, apesar de também ter um sobrenome com ""K", possui esta simpática particularidade do apelido. Apelido carinhoso e infantil que ontem saiu nos principais jornais do mundo.
Outra grande vitória do fim de semana não saiu nem no Times, nem no Libê, mas isso não a impede de ser também uma vitória que deu a muitos o dia mais feliz das suas vidas. Foi a do Boa Esperança sobre o 100 Mizéria. Os nomes parecem nomes de times de várzea. E são. O Boa Esperança e o 100 Mizéria fizeram a final do maior campeonato do país, um campeonato que possui mais times do que a Copa JH.
O jogo foi disputado no campo do Nacional, e ali desfilaram os personagens arquetípicos do futebol: o técnico gordo que grita feito um doido durante o jogo, o jogador experiente que acalma o time, o meio-campista habilidoso, o volante violento, o atacante baixinho mas talentoso e, principalmente, o zagueiro grosso (um conseguiu algo que eu nunca havia visto: cobrou um tiro de meta tão torto que a bola saiu pela sua própria linha de fundo, provocando um escanteio contra si mesmo). Para completar, seus apelidos pareciam tirados de uma crônica futebolística dos anos quarenta. Em campo estavam Pirralho, Jacaré, Toca, Mortadela, Nego, Rato, Mi, Orelha e Funeral.
Em se tratando de emoção, também foi um jogo perfeito. O Boa Esperança marcou aos 28min do primeiro tempo. Daí em diante o 100 Mizéria ficou martelando o adversário até que, faltando apenas dois minutos, quando os torcedores do Boa Esperança já gritavam olé, os mizeráveis empatam a partida.
Mas o jogo não tinha acabado e, como a esperança é a última que morre, no minuto final o Boa Esperança faz o gol decisivo.
Então os mizeráveis caíram no chão e os esperançados pareciam flutuar.
Para sempre Guga e Pirralho lembrarão deste dia.
E, quando estiverem velhos e se encontrarem num banco de praça para mais uma partida de damas, eles vão falar de um distante dia 3 de dezembro, o dia mais feliz das suas vidas.

E-mail: torero@uol.com.br

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