São Paulo, terça-feira, 06 de janeiro de 2004

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FUTEBOL

Ouro de tolo

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO

O Brasil estréia amanhã no Chile, em mais uma tentativa de conquistar a medalha de ouro olímpica, feito que ainda falta ao nosso futebol. Na verdade nunca ninguém deu muita bola para isso, mas, de tempos para cá, ganhar uma Olimpíada veio se transformando numa pequena obsessão nacional.
Creio que foi Zagallo o maior responsável pela idéia de bombar a corrida pelo ouro. O Velho Lobo bem que tentou em 1996, mas não deu. Em 2000, foi a vez de Luxemburgo quebrar a cara. Se tivesse levado a medalha, talvez seu destino, mesmo com todos os chamados "problemas pessoais", tivesse sido outro. Na verdade, fez bem a CBF ao escolher agora um treinador para a Olimpíada diferente daquele da seleção principal. Não faz sentido gerar desgastes e crises na frente das eliminatórias por conta de um eventual fracasso na frente olímpica.
Provavelmente se o Brasil já tivesse ganhado o ouro, essa papagaiada não existiria. Embora o futebol tenha sido a primeira modalidade coletiva de uma Olimpíada, estando presente em todas as edições da era moderna, todos sabemos que o título olímpico é pouco valorizado pelo torcedor aqui e em outros países.
Basta ver a lista dos campeões olímpicos para entender a importância do negócio. Entre eles figuram Bélgica, Iugoslávia, Polônia, Tchecoslováquia, Alemanha Oriental, Camarões, Nigéria. Enfim, países do segundo ou terceiro time no esporte bretão. Dos que já venceram Copas do Mundo, apenas Inglaterra, França, Uruguai e Itália conseguiram o ouro. Sendo que a Inglaterra ganhou em 1908 e 1912, o Uruguai em 1924 e 1928 e a Itália em 1936 -portanto no tempo do futebol a lenha. A França ficou com o ouro em 1984.
Há muita gente, a começar pela Fifa e pelos clubes, que gostaria de ver o futebol fora da Olimpíada. Na realidade, o esporte mais popular do mundo acabou por criar um sistema próprio de torneios e títulos de tal forma bem-sucedido que poderia perfeitamente ficar só com ele.
Se um jogador de vôlei ou de basquete em geral vê na medalha olímpica um troféu até mais valioso do que o de um Mundial, o de futebol sabe que há coisas muito mais importantes a ganhar. A medalha olímpica para um craque de futebol é ouro de tolo perto de uma Copa do Mundo, de uma Eurocopa, de um Mundial de Clubes ou mesmo de um bom campeonato nacional. Não vai ser uma Olimpíada que irá distingui-lo em sua carreira.
Sendo assim, é natural que a Fifa encare esse torneio mais como uma encrenca do que como uma festa. Os clubes, que no final das contas bancam os craques e sustentam o futebol, já têm problemas para ceder jogadores para as seleções principais. No caso de torneios pré-olímpicos e olímpicos, a má vontade é muito maior. E com toda a razão.
Como muitos brasileiros entraram nessa onda de ganhar o ouro -o que até seria divertido- tem gente que critica as restrições impostas pelos clubes. Mas pensando bem, não dá para reclamar.

O que vai valer
O fato de que a Olimpíada não seja lá grande coisa quando se trata de futebol não anula a vontade de ver a nova geração do Brasil ganhando o ouro em Atenas. Seria um prazer. Estamos numa situação bastante privilegiada, com ótimos atletas amadurecidos, muitos em condições de jogar mais uma Copa, e uma belíssima safra de talentos aparecendo e confirmando as avaliações mais otimistas. Como os mais velhos nós já conhecemos, a torcida geral é que os mais novos arrebentem. O que o torcedor quer ver logo é o início de uma renovação. É Robinho no mesmo time de Ronaldo. Um título olímpico certamente colocaria essa turma num patamar mais alto e provavelmente precipitaria -ou facilitaria bem- mudanças na equipe principal.

E-mail mag@folhasp.com.br


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