São Paulo, sexta-feira, 06 de abril de 2001

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FUTEBOL

Para CPI da Câmara, depoimento de ontem do técnico prova ingerência da multinacional sobre a seleção brasileira

Luxemburgo diz que Nike exigiu Ronaldo

FERNANDO MELLO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

A CPI da CBF/Nike, instalada na Câmara, obteve ontem a primeira prova testemunhal para mostrar que a multinacional de material esportivo tem ingerência sobre a seleção brasileira.
Em depoimento na comissão, o ex-técnico do time nacional Wanderley Luxemburgo disse que um funcionário da Nike pediu a ele que escalasse o atacante Ronaldo nos dois amistosos que a seleção disputou na Austrália em 1999.
Na ocasião, Luxemburgo resolveu cortar Ronaldo porque a Inter de Milão exigiu que seu jogador disputasse apenas uma partida. Com a ausência do astro, o dinheiro dos ingressos foi devolvido aos torcedores. Conforme revelou a Folha, a Nike desconsiderou os amistosos da cota de 50 jogos a que tem direito em dez anos.
"Em reunião na Austrália, a Nike me pediu para escalar Ronaldo nas duas partidas porque a TV já tinha comprado os jogos e os ingressos já tinham sido vendidos. Eles me avisaram que poderia haver um problema com o Procon deles (se Ronaldo não jogasse), mas eu mantive minha posição de cortá-lo", declarou o técnico do Corinthians.
Luxemburgo desmentiu várias vezes Ingo Ostrovsky e Amadeu Garcia Jr., os executivos da multinacional que depuseram anteontem na CPI.
Os representantes da multinacional disseram aos deputados que em nenhum momento da parceria, que já dura quase cinco anos, a Nike pediu a escalação de qualquer jogador.
Outro ponto conflitante dos dois depoimentos foi em relação à participação de funcionários da multinacional nas viagens da seleção. Segundo os executivos da empresa, a função dos empregados da Nike durante as viagens é cuidar do fornecimento de material esportivo aos atletas.
Já Luxemburgo afirmou em Brasília que essa função era exercida exclusivamente pelo roupeiro da delegação. O técnico disse que uma das funções dos empregados na Nike era ajudar os atletas que têm contrato com a empresa, como é o caso de Ronaldo.
Uma terceira contradição apontada pelos parlamentares diz respeito à participação da Nike na escolha dos adversários da seleção nos jogos da empresa.
Segundo os representantes da multinacional, nunca houve reunião com a comissão técnica.
A versão de Luxemburgo é diferente. "Conversávamos sempre com o pessoal da Nike (sobre os amistosos). Sentávamos eu, o doutor Ricardo (Teixeira, presidente da CBF), o Candinho, o Marco Antônio (Teixeira, secretário-geral da entidade) e o Marquinhos (Marcos Moura Teixeira, coordenador técnico) e representantes da Nike. O pessoal da empresa vinha conversar. Nunca tomei a decisão sozinho."
Os integrantes da CPI saíram animados do depoimento, que durou quase cinco horas.
"O Luxemburgo foi bastante sincero e comprovou o que suspeitávamos. A relação da empresa com o time transcende o contrato: há uma ingerência direta da Nike sobre a seleção", disse Sílvio Torres (PSDB-SP), relator da CPI.
A assessoria da Nike informou que, para a empresa, o depoimento de Luxemburgo não contradiz o que foi dito pelos representantes da multinacional no dia anterior.
No episódio australiano, segundo a Nike, a empresa apenas aguardou uma decisão do treinador e da comissão técnica para saber se devolveria ou não o dinheiro dos ingressos aos torcedores.


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