São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2010

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Africâneres "esquecem" a Holanda

Descendentes dos colonizadores declaram torcida para o Uruguai

FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO

Kobus Gerber é o secretário-geral da Igreja Reformada Holandesa da África do Sul, trazida ao país no final do século 17 pelos primeiros colonizadores do país europeu.
Mas hoje, na semifinal da Copa do Mundo, ele torcerá para o Uruguai contra a Holanda. "Sou do hemisfério Sul e estou sempre viajando para a América do Sul em trabalho missionário", justifica.
Gerber é exemplo do risco que é tirar conclusões apressadas no complicado mosaico cultural sul-africano. Há cerca de 3 milhões de descendentes de holandeses hoje no país (6% da população), chamados de africâneres.
No século 20, foi esse grupo que criou o apartheid, para o qual a Igreja Reformada Holandesa fornecia questionável base moral e teológica, igualando os africâneres ao povo escolhido por Deus no Velho Testamento.
No papel, deveriam todos engrossar o coro pró-Holanda, mas hoje, 16 anos depois do fim do apartheid, a identificação com a pátria-mãe está bem mais diluída.
"Eu me vejo, primeiro, como sul-africano, depois, como africano e, depois, como descendente de holandês. O Uruguai jogou muito bem até agora. Por isso espero que eles vençam", afirma Gerber.
A igreja que ele representa, com 1,2 milhão de seguidores formais, é "holandesa" no nome, mas na prática funciona de maneira independente da sua xará europeia.
Estudioso da cultura africâner, o professor Leon de Stadler, da Universidade de Stellenbosch (perto da Cidade do Cabo), afirma que os laços culturais existentes com a Holanda são fortes, mas cada vez menos relevantes.
"Outras formas de afinidade surgem o tempo todo. Muitos africâneres simpatizam com o Uruguai porque os consideram os azarões da Copa", declara o professor.
Do mesmo jeito, negros já foram vistos no treino da Holanda, sem se preocupar com o fato de seus ascendentes terem criado o apartheid. "O fato é que, em 350 anos, os africâneres criaram uma cultura forte e diferente da holandesa", afirma De Stadler.
A própria língua deriva do holandês, mas se tornou suficientemente distinta para ser mais do que um dialeto.
É inevitável que parte dos africâneres torça pela Holanda, mas dificilmente alguém o fará cheio de empolgação.
"A Holanda está no nosso sangue", declara Andre Visagie, ex-secretário-geral da Irmandade Africâner, entidade que luta por uma pátria branca independente. "Mas não somos muito de futebol. Nosso negócio é rúgbi."


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