São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

A Celeste e a Laranja


Que reservam os deuses da bola? Em se tratando de futebol, tenho uma paixão maior: o próprio


A PRIMEIRA lembrança que tenho de um time uruguaio vem de 1965. Nesse ano, o glorioso Peñarol, de Montevidéu, disputou um histórico jogo com o Santos, no Pacaembu, pela Libertadores. O Peixe chegou a fazer 5 a 1, mas o jogou acabou 5 a 4, depois de uma espetacular reação do time uruguaio.
Eu tinha só dez anos e já era doido por futebol. De 65 em diante, vi vários jogos dos dois grandes times uruguaios (Nacional e Peñarol) e da seleção nacional. Na Copa de 70, a Celeste e o Brasil fizeram um dos mais belos jogos de todos os tempos.
O futebol, a língua, a literatura, a história e, sobretudo, o querido poeta e diplomata Vinicius de Moraes, que nos anos 50 foi cônsul em Montevidéu e lá escreveu memoráveis textos, despertaram em mim imensa vontade de conhecer o Uruguai.
Em 1977, fui pela primeira vez ao país vizinho. Fiquei impressionado com o que vi. Embora sob ditadura (medíocre e boçal, como qualquer ditadura), o país "respirava": o povo ia para as ruas, as livrarias da av. 18 de Julio ficavam abertas (e cheias) até de madrugada, bares e restaurantes ferviam.
Mas o que mais me chamou a atenção foi a educação: o povo uruguaio é, de longe, o mais educado que conheço (e olhe que já andei por este mundão de Deus). Educado e silencioso, como manda a civilização. Dessa primeira viagem nasceu uma paixão pelo país -avassaladora. Já fui ao Uruguai sabe Deus quantas vezes. A bela Montevidéu hoje é o meu refúgio.
Foi na viagem de 77 que vi "Laranja Mecânica", clássico de Stanley Kubrick, proibido pela ditadura brasileira, mas sabe Deus por que liberado no Uruguai, ainda que bem depois do lançamento.
O nome do filme acabou virando o apelido da seleção holandesa, depois de sua espetacular participação na Copa de 74. Pois não é que coube ao Uruguai, mais uma vez, enfrentar a Laranja?
A primeira foi justamente na Copa de 74. Nesse jogo (Holanda 2 a 0), a Celeste não viu a cor da bola -literalmente. O cracaço Pedro Rocha diz que foi a segunda vez na carreira em que pediu pela mãe em campo (a primeira foi no primeiro Peñarol x Nacional, clássico uruguaio -Rocha tinha 17 anos).
Que reservarão os deuses da bola para hoje? Se valer a minha paixão pelo Uruguai, os hermanos farão festa no nostálgico centro velho da indefinível Montevidéu. Mas, em se tratando de futebol, tenho uma paixão maior: o próprio. Se jogar melhor e merecer ganhar, que vença a Laranja! É isso.


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