São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2000


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FUTEBOL

Goleada e olé dos torcedores


TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA


Alguns dizem que a voz do povo é a voz de Deus.
No mínimo, é a voz da maioria.
Outros falam que o torcedor é apaixonado e irracional. É apaixonado, mas não irracional.
Os técnicos de futebol adoram contrariar os torcedores ou demoram para perceber o óbvio.
Quando o ""bicho pega", os técnicos abaixam a crista e fazem o que o torcedor pede.
Os mais teimosos dão com os burros n'água.
Na Copa de 58, os gritos da torcida acordaram o sonolento Feola e, aos poucos, ele escalou os melhores: Didi, Pelé, Garrincha e Djalma Santos.
Em 62, Aimoré Moreira não quis frustrar a galera.
Manteve quase o mesmo time de 58 e trouxe o bi.
Em 66, foi aquela bagunça!
No lugar de escalar os jovens pedidos pela torcida (depois formariam a base da seleção de 70), Feola dormiu no ponto, ou melhor, no túnel, e preferiu os veteranos. Pensou que fossem eternos.
Em 70, logo que substituiu Saldanha, Zagallo dispensou os craques Dirceu Lopes e Zé Carlos e barrou Tostão e Piazza.
Coincidentemente, todos mineiros e jogadores do Cruzeiro. Depois, pressionado pela torcida, voltou atrás e arrumou um lugar para os dois últimos.
Em 74, não tinha jeito.
Havia um carrossel holandês no meio do caminho. Havia, no meio do caminho, um carrossel holandês. Com a permissão do poeta maior Carlos Drummond de Andrade.
Em 78, para desagradar à torcida, o científico técnico Cláudio Coutinho, acredite se quiser, escalou Jorge Mendonça e Chicão nos lugares de Zico e Falcão.
Coutinho só pensava no ponto futuro e no overlaping.
Em 82, o mestre Telê pôs os melhores em campo. Não ganhou, mas brilhou.
Em 86, eu estava envolvido com a medicina e não acompanhei a Copa em seus detalhes.
Só me lembro daquele maravilhoso gol do Maradona contra a Inglaterra. Pra que mais?
Em 90, só o Sebastião Lazaroni entendia o lazaronês e seu sistema tático.
Em 94, nas eliminatórias, Romário já era o melhor atacante do mundo.
Quando a situação apertou, Parreira buscou o baixinho marrento, e ele deu um show de bola contra o Uruguai, no Maracanã.
Na Copa, Parreira e Zagallo, sabiamente, toleraram as escapulidas e manhas do Romário.
Em 98, Zagallo deixou fora Muller e Mauro Galvão, que estavam em grande forma, e levou o descontrolado Júnior Baiano e o decadente Bebeto.
Agora, espero que o Wanderley Luxemburgo tenha compreendido as vaias da torcida no momento da substituição do Alex na partida contra a Argentina.
No Pré-Olímpico, o treinador atendeu os protestos dos torcedores, e o time se transformou.
Alguns (principalmente os supertécnicos) vão discordar e lembrar que houve momentos em que o torcedor pediu e os treinadores não atenderam com razão.
Tudo bem, mas isso aconteceu poucas vezes.
Os torcedores estão dando de goleada nos técnicos. Com olé e tudo!
""A tradição é a base da personalidade coletiva de um povo." (Miguel de Unamuno)
Existem as tradições sábias, que deveriam ser perpetuadas; as simpáticas e gostosas; e aquelas chatas, ultrapassadas, que precisariam ser derrubadas.
A tradição brasileira de dar um jeitinho em tudo é muito burra, porque prejudica a maioria a longo prazo.
A tradição dos mineiros de se reunir às tardes para fazer um lanche (café com pão de queijo, mais queijo mineiro) é simpática e gostosa.
A tradição de numerar as camisas dos jogadores com números de 1 a 11 é básica e não deveria acabar, como lembra o leitor Juan Saavedra.
A não ser em casos especiais, como o de se imortalizar a camisa de um supercraque.
Os clubes, empresas e profissionais de propaganda e marketing querem mudar essa tradição.
Estão colocando, nas camisas dos jogadores, números grandes representando os das companhias telefônicas.
Parece futebol americano.
Nas próximas eleições, não será surpresa se aparecerem os números dos partidos nas camisas dos atletas.
Se deixarem, colocam até o retrato do candidato com um largo sorriso: ""Sou o melhor".
Daqui a pouco, alguns locutores de rádio e TV, que não perdem uma oportunidade, vão assim narrar o jogo: ""Bola com o 21, que passou para o 23, que lançou o 31, foi para o 48 e... goooool! É o gol da comunicação digital e da ligação rápida e barata. Um oferecimento da empresa telefônica X. Ligue e seja feliz!".
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