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FOLHA OLIMPÍADA 2000
EXCELÊNCIA ESPORTIVA
Equipe olímpica brasileira tem pela 1ª vez uma maioria
de nadadores que vivem nos EUA, onde treinam para reduzir seus
tempos, enfrentando furacões, custo de vida elevado e saudade de casa
Yes, nós temos natação
RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADO ESPECIAL A CORAL SPRINGS (EUA)
Das piscinas da
Flórida, sempre se
espera sair um golfinho fazendo piruetas em troca de
sardinhas. Agora,
porém, salta daquelas águas outra
espécime, desta vez tentando abocanhar medalhas olímpicas: a de
nadadores brasileiros.
Enquanto em Atlanta-1996 só
20% do time nacional treinava
nos EUA (dois atletas em um total
de dez), para Sydney-2000 os
americanizados serão maioria
-58,3% para ser mais exato (7
entre 12 competidores).
Tanto é assim que as atuais celebridades da comunidade brasileira na Flórida (calculada em 120
mil pessoas) são Gustavo Borges e
Fernando Scherer -posto que,
até 1998, era ocupado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Borges mora em Jacksonville,
cidade em que fez o ""high school"
em 1990 e para onde voltou após
se formar em economia pela Universidade de Michigan. Com ele
vive Carlos Jayme, que está no revezamento olímpico.
Mas o verdadeiro consulado nacional está em Coral Springs, localidade afastada 50 km de Miami
e vizinha aos Everglades, pântano
conhecido por seus crocodilos e
barcos de hélices gigantes.
Os sete brasileiros treinam
atualmente por lá, mas já foram 12
há seis meses. Além de Scherer, há
mais dois outros olímpicos, Rogério Romero e Fabíola Molina.
Os efeitos da aculturação são
claros: Scherer assiste em DVD ao
show do Metallica, Romero dirige
um carro-banheira Oldsmobile, e
Molina lê o jornal ""The Miami
Herald". Eles moram em um típico subúrbio norte-americano:
avenidas retas com fileiras de palmeiras, drive-thru, pátios de estacionamento e casas com gramado
cuidado, garagem lotada e uma
tabela de basquete nos fundos.
Mas há ainda uma resistência
nacionalista, que se manifesta na
ida à seção de ""produtos étnicos"
do supermercado para comprar
itens da feijoada ou jantar na filial
local da churrascaria Porcão.
""É um cotidiano chato, não há
nada para fazer. Treino como um
maníaco. Estou no limite, com
muita dor e cansaço", diz Scherer.
Para descansar, se enfurna no
""iglu", como define sua casa com
ar-condicionado ligado o tempo
todo, para se proteger do verão de
35 ºC. Lá só entram os amigos, sua
massagista, Nicole, e seu carro,
uma Mercedes -já recebeu multa por excesso de velocidade.
Scherer só não está protegido
dos furacões, cuja temporada está
começando. Como prevenção, ele
e todos os brasileiros evitam treinar no fim de tarde.
No Coral Springs Aquatic Complex, as piscinas são ao ar livre,
mas há um detector de raios.
Quando a tempestade se aproxima, soa uma sirene bem alto,
obrigando os atletas a saírem correndo da água.
O perigo continua até o próximo dia 21, quando acontece o embarque para a Austrália.
Logo que chegou aos EUA, em
março de 1999, Romero e sua noiva, a nadadora Patrícia Comini, tiveram uma mostra do fenômeno
climático. ""Foram três dias de terror. Empacotamos nossas coisas,
ficamos trancados e pensamos até
em ir embora", conta Romero.
Os dois já tinham enfrentado
outra catástrofe dois meses antes,
dessa vez em território brasileiro:
a crise cambial de janeiro de 1999.
Com a mudança para os EUA
planejada, viram seus gastos duplicarem de uma hora para outra.
As despesas com o treinamento
eram o de menos (US$ 95 por mês
para o técnico e US$ 350 por ano
para o clube). O problema estava
nos US$ 2.800 mensais desembolsados com alimentação e casa.
""Ganhar em real e gastar em dólar não é fácil", define Romero,
que não revela seus rendimentos,
mas possui três patrocinadores e
recebe também de seu clube no
Brasil, o Flamengo.
Com técnico e infra-estrutura
de Primeiro Mundo, a promessa
era a de baixar os tempos.
E foi o que aconteceu. Romero,
por exemplo, desceu em dois segundos seu tempo nos 200 m costas e em um segundo nos 100 m. Já
Scherer reduziu em um segundo a
marca dos 100 m livre.
Eles atribuem a evolução ao
treinador Michael Lohberg, um
alemão radicado nos EUA. Lohberg estará na comissão técnica
do Brasil em Sydney, fazendo sua
quarta participação olímpica por
quatro países diferentes.
Em Seul-1988, foi com a Alemanha; em Barcelona-1992, com as
Ilhas Virgens; e em Atlanta-1996,
com a Lituânia.
Lohberg dá ênfase ao trabalho
fora da água. Além da musculação, os atletas utilizam um aparelho que simula no ar o movimento do nado, que é raro no Brasil
por ter custo elevado.
""Meu estilo melhorou muito
aqui. Agora, o Michael quer que
eu aumente minha massa muscular", diz Laura Azevedo, 18, que
planeja entrar em uma faculdade
na vizinha cidade de Boca Raton.
A via universitária é a preferida
dos brasileiros -apenas Scherer
e Romero foram aos EUA exclusivamente para treinar.
Com grandes chances de medalha nos 100 m costas em Sydney,
Alexandre Massura compete pela
Universidade de Minnessota.
Já Leonardo Costa, que é especialista nos 200 m costas, está na
USC (University of Southern California). Lá, ele recebe orientação
de Mark Schubert, que é técnico
da equipe olímpica dos EUA.
As universidades oferecem, para atletas até 25 anos, bolsas e cursos que se adaptam ao calendário
esportivo. No concurso, quanto
melhores forem as marcas do nadador (de preferência, recordes
estaduais, brasileiros ou sul-americanos), maior o número de instituições interessadas, oferecendo
bolsas mais vantajosas.
Em versão reduzida, a mesma
fórmula serve para as ""high
schools" (ensino médio).
Tetsuo Okamoto foi o pioneiro
brasileiro a seguir a receita norte-americana. Com isso, tornou-se o
primeiro medalhista nacional nas
piscinas (bronze nos 1.500 m livre
em Helsinque-1952).
Na década de 70, foi a vez de
Djan Madruga e Rômulo Arantes.
Anos depois, Ricardo Prado treinou lá para conseguir a prata nos
400 m medley nos Jogos de Los
Angeles-1984.
Mas o grande incentivador da
migração brasileira é Gustavo
Borges, que vive há dez anos nos
EUA e conquistou três medalhas
olímpicas no período (uma prata
em Barcelona e uma prata e um
bronze em Atlanta).
O único a tentar uma rota alternativa foi o carioca Luiz Lima. Ele
foi treinar na Austrália, outra meca da natação. Mas se arrependeu
e em três meses estava de volta.
Depois de Sydney, fatalmente
haverá uma debandada dos EUA.
Borges deve se mudar com a
mulher. Romero já marcou casamento para novembro. Scherer
quer férias e se instalar no Rio.
Mas seu futuro depende do desempenho olímpico. ""Não consigo me ver voltando de Sydney
sem medalha. Não tenho mais objetivos do que conseguir outra
medalha olímpica", afirma.
Para tanto, Scherer montou até
um esquema próprio de adaptação à Austrália. Em vez de Canberra, onde estará a maioria da
delegação nacional, ele vai treinar
em Brisbane, cidade ao norte.
""O pessoal vai passar frio em
Canberra, enquanto estarei no calor. Gosto de estar tranquilo. Sempre treinei sozinho: foi assim em
Florianópolis e Coral Springs."
Os nadadores já contam os dias
para o fim de sua estadia norte-americana. Eles não sabem o que
fazer com toda a mobília comprada nos EUA (vender, dar ou colocar em um navio?).
Só uma parte obrigatória na decoração de suas casas, a prateleira
das pílulas, tem destino certo. Até
Sydney, vão ser consumidos todos os potes de enzimas, creatinas, vitaminas, complementos
alimentares...
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