São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2000


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FOLHA OLIMPÍADA 2000

EXCELÊNCIA ESPORTIVA
Equipe olímpica brasileira tem pela 1ª vez uma maioria de nadadores que vivem nos EUA, onde treinam para reduzir seus tempos, enfrentando furacões, custo de vida elevado e saudade de casa
Yes, nós temos natação


RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADO ESPECIAL A CORAL SPRINGS (EUA)

Das piscinas da Flórida, sempre se espera sair um golfinho fazendo piruetas em troca de sardinhas. Agora, porém, salta daquelas águas outra espécime, desta vez tentando abocanhar medalhas olímpicas: a de nadadores brasileiros.
Enquanto em Atlanta-1996 só 20% do time nacional treinava nos EUA (dois atletas em um total de dez), para Sydney-2000 os americanizados serão maioria -58,3% para ser mais exato (7 entre 12 competidores).
Tanto é assim que as atuais celebridades da comunidade brasileira na Flórida (calculada em 120 mil pessoas) são Gustavo Borges e Fernando Scherer -posto que, até 1998, era ocupado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Borges mora em Jacksonville, cidade em que fez o ""high school" em 1990 e para onde voltou após se formar em economia pela Universidade de Michigan. Com ele vive Carlos Jayme, que está no revezamento olímpico.
Mas o verdadeiro consulado nacional está em Coral Springs, localidade afastada 50 km de Miami e vizinha aos Everglades, pântano conhecido por seus crocodilos e barcos de hélices gigantes.
Os sete brasileiros treinam atualmente por lá, mas já foram 12 há seis meses. Além de Scherer, há mais dois outros olímpicos, Rogério Romero e Fabíola Molina.
Os efeitos da aculturação são claros: Scherer assiste em DVD ao show do Metallica, Romero dirige um carro-banheira Oldsmobile, e Molina lê o jornal ""The Miami Herald". Eles moram em um típico subúrbio norte-americano: avenidas retas com fileiras de palmeiras, drive-thru, pátios de estacionamento e casas com gramado cuidado, garagem lotada e uma tabela de basquete nos fundos.
Mas há ainda uma resistência nacionalista, que se manifesta na ida à seção de ""produtos étnicos" do supermercado para comprar itens da feijoada ou jantar na filial local da churrascaria Porcão.
""É um cotidiano chato, não há nada para fazer. Treino como um maníaco. Estou no limite, com muita dor e cansaço", diz Scherer.
Para descansar, se enfurna no ""iglu", como define sua casa com ar-condicionado ligado o tempo todo, para se proteger do verão de 35 ºC. Lá só entram os amigos, sua massagista, Nicole, e seu carro, uma Mercedes -já recebeu multa por excesso de velocidade.
Scherer só não está protegido dos furacões, cuja temporada está começando. Como prevenção, ele e todos os brasileiros evitam treinar no fim de tarde.
No Coral Springs Aquatic Complex, as piscinas são ao ar livre, mas há um detector de raios. Quando a tempestade se aproxima, soa uma sirene bem alto, obrigando os atletas a saírem correndo da água.
O perigo continua até o próximo dia 21, quando acontece o embarque para a Austrália.
Logo que chegou aos EUA, em março de 1999, Romero e sua noiva, a nadadora Patrícia Comini, tiveram uma mostra do fenômeno climático. ""Foram três dias de terror. Empacotamos nossas coisas, ficamos trancados e pensamos até em ir embora", conta Romero.
Os dois já tinham enfrentado outra catástrofe dois meses antes, dessa vez em território brasileiro: a crise cambial de janeiro de 1999.
Com a mudança para os EUA planejada, viram seus gastos duplicarem de uma hora para outra.
As despesas com o treinamento eram o de menos (US$ 95 por mês para o técnico e US$ 350 por ano para o clube). O problema estava nos US$ 2.800 mensais desembolsados com alimentação e casa.
""Ganhar em real e gastar em dólar não é fácil", define Romero, que não revela seus rendimentos, mas possui três patrocinadores e recebe também de seu clube no Brasil, o Flamengo.
Com técnico e infra-estrutura de Primeiro Mundo, a promessa era a de baixar os tempos.
E foi o que aconteceu. Romero, por exemplo, desceu em dois segundos seu tempo nos 200 m costas e em um segundo nos 100 m. Já Scherer reduziu em um segundo a marca dos 100 m livre.
Eles atribuem a evolução ao treinador Michael Lohberg, um alemão radicado nos EUA. Lohberg estará na comissão técnica do Brasil em Sydney, fazendo sua quarta participação olímpica por quatro países diferentes.
Em Seul-1988, foi com a Alemanha; em Barcelona-1992, com as Ilhas Virgens; e em Atlanta-1996, com a Lituânia.
Lohberg dá ênfase ao trabalho fora da água. Além da musculação, os atletas utilizam um aparelho que simula no ar o movimento do nado, que é raro no Brasil por ter custo elevado.
""Meu estilo melhorou muito aqui. Agora, o Michael quer que eu aumente minha massa muscular", diz Laura Azevedo, 18, que planeja entrar em uma faculdade na vizinha cidade de Boca Raton.
A via universitária é a preferida dos brasileiros -apenas Scherer e Romero foram aos EUA exclusivamente para treinar.
Com grandes chances de medalha nos 100 m costas em Sydney, Alexandre Massura compete pela Universidade de Minnessota.
Já Leonardo Costa, que é especialista nos 200 m costas, está na USC (University of Southern California). Lá, ele recebe orientação de Mark Schubert, que é técnico da equipe olímpica dos EUA.
As universidades oferecem, para atletas até 25 anos, bolsas e cursos que se adaptam ao calendário esportivo. No concurso, quanto melhores forem as marcas do nadador (de preferência, recordes estaduais, brasileiros ou sul-americanos), maior o número de instituições interessadas, oferecendo bolsas mais vantajosas.
Em versão reduzida, a mesma fórmula serve para as ""high schools" (ensino médio).
Tetsuo Okamoto foi o pioneiro brasileiro a seguir a receita norte-americana. Com isso, tornou-se o primeiro medalhista nacional nas piscinas (bronze nos 1.500 m livre em Helsinque-1952).
Na década de 70, foi a vez de Djan Madruga e Rômulo Arantes. Anos depois, Ricardo Prado treinou lá para conseguir a prata nos 400 m medley nos Jogos de Los Angeles-1984.
Mas o grande incentivador da migração brasileira é Gustavo Borges, que vive há dez anos nos EUA e conquistou três medalhas olímpicas no período (uma prata em Barcelona e uma prata e um bronze em Atlanta).
O único a tentar uma rota alternativa foi o carioca Luiz Lima. Ele foi treinar na Austrália, outra meca da natação. Mas se arrependeu e em três meses estava de volta.
Depois de Sydney, fatalmente haverá uma debandada dos EUA.
Borges deve se mudar com a mulher. Romero já marcou casamento para novembro. Scherer quer férias e se instalar no Rio.
Mas seu futuro depende do desempenho olímpico. ""Não consigo me ver voltando de Sydney sem medalha. Não tenho mais objetivos do que conseguir outra medalha olímpica", afirma.
Para tanto, Scherer montou até um esquema próprio de adaptação à Austrália. Em vez de Canberra, onde estará a maioria da delegação nacional, ele vai treinar em Brisbane, cidade ao norte.
""O pessoal vai passar frio em Canberra, enquanto estarei no calor. Gosto de estar tranquilo. Sempre treinei sozinho: foi assim em Florianópolis e Coral Springs."
Os nadadores já contam os dias para o fim de sua estadia norte-americana. Eles não sabem o que fazer com toda a mobília comprada nos EUA (vender, dar ou colocar em um navio?).
Só uma parte obrigatória na decoração de suas casas, a prateleira das pílulas, tem destino certo. Até Sydney, vão ser consumidos todos os potes de enzimas, creatinas, vitaminas, complementos alimentares...


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