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TÊNIS
De cabeça, aos 46min
RÉGIS ANDAKU
COLUNISTA DA FOLHA
C omo, afinal de contas, Gustavo Kuerten ultrapassou
Marat Safin em uma corrida que
lhe parecia perdida para terminar o ano, historicamente, como
número um do tênis?
Foi, ok, jogando um bolão, recuperando-se de uma no mínimo
chata e irritante dor na virilha e
derrotando, de forma impecável,
Magnus Norman, Ievguêni Kafelnikov, Pete Sampras e Andre
Agassi. Em sequência!
Foi acertando o seu jogo de maneira agressiva, tentando definir
cada ponto rapidamente, talvez
como nunca antes, talvez porque
não lhe restavam muitas chances
de sobreviver a jogos mais intensos, por causa de sua condição física precária na Copa do Mundo.
Mas foi, principalmente, porque
mostrou em Lisboa, deixando claro, aliás, que entre ele, Gustavo
Kuerten, e Marat Safin, seu rival,
existe grande diferença.
Essa diferença grande a que me
refiro não é na batida da bolinha,
não é na força do saque, não é na
potência dos backhands.
Nisso, Safin e Kuerten, jovens,
são bastante parecidos.
A diferença grande entre os tops
do ano é naquilo que Kuerten já
foi muitas vezes criticado (algumas vezes com razão, outras vezes
sem razão): a cabeça.
Sim. Na Corrida dos Campeões,
Kuerten passou por Safin na reta
final, quase na bandeirada, e venceu por uma cabeça.
Foi coroado o número um do tênis profissional porque, quando
precisou, em Lisboa, entre os
grandes, os maiores, mostrou que
tem mais cabeça que o russo. Em
uma competição que estava em
suas mãos, Safin deixou claro para quem quis ver que não está
preparado para ser coroado. Ainda um tanto distante disso.
A maneira como reage a pontos
perdidos, gritando, batendo a raquete no chão, quebrando, mostra que ainda lhe falta algo para
ser incontestável, ser o melhor.
Em Lisboa, não houve um único ponto errado em que não reagiu negativamente. Ora gritando,
ora falando, ora quebrando raquetes, ora balançando a cabeça
com jeito de garoto bravo.
Agiu muitas vezes como um garoto de 13 anos iniciante em tênis.
A diferença é que geralmente os
garotos de 13 anos que quebram
raquetes são repreendidos pelos
pais ou pelo professor.
Safin, não. Ele pode fazer isso?
Pode. Mas um número um não
pode. Um verdadeiro número um
não pode mesmo (só John McEn-
roe pode, ninguém mais).
Kuerten, por sua vez, mostrou
nesta temporada que amadureceu mais que apenas o seu jogo.
Em Lisboa, o ex-cabeludo não
se mostrou nervoso, nem irrequieto. Jogou contra Agassi e Sampras
com a familiaridade de quem joga no clube local, com a sua turminha. Kuerten aprendeu que o
seu clube local é o top ten, que a
sua turminha é, já faz um tempo,
a de Agassi, Sampras...
Aprendeu e colocou na cabeça.
A maneira como encarou os jogos, os rivais, os pontos perdidos,
tanto psicologicamente quanto
taticamente, foi o que diferenciou
seu talento do de Safin.
O tênis tem um número um que
pensa e sorri.
Não fosse esse sujeito, brilhante,
seria um sujeito igualmente talentoso, mas que vive xingando,
com cara de raiva, quebrando raquetes por aí.
Orgulho
O que Kuerten disse a jornalistas estrangeiros sobre o fato de ser um brasileiro o número um do ranking? "Eu
amo o Brasil. É uma honra
pra mim ser brasileiro."
Reconhecimento
O que Sampras disse sobre
Safin ser nervosinho? "É jovem, ainda vai crescer." E sobre Kuerten? "É forte mentalmente, um lutador."
Torcida
O que Safin afirmou quando
perdeu a chance de garantir o
número um? "Pete, vença", a
Sampras, na semifinal. Ao ver
Kuerten ir à final: "Boa sorte.
Se vencer, é o melhor".
Felicidades
O que Agassi cantou a Kuerten depois do jogo? "Você fez
história. Aproveite ao máximo o gosto de ser o melhor."
Tenho certeza de que é esta
também a mensagem desta
coluna e seus leitores, Guga.
E-mail reandaku@uol.com.br
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