São Paulo, quarta-feira, 06 de dezembro de 2000

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TÊNIS
De cabeça, aos 46min

RÉGIS ANDAKU
COLUNISTA DA FOLHA

C omo, afinal de contas, Gustavo Kuerten ultrapassou Marat Safin em uma corrida que lhe parecia perdida para terminar o ano, historicamente, como número um do tênis?
Foi, ok, jogando um bolão, recuperando-se de uma no mínimo chata e irritante dor na virilha e derrotando, de forma impecável, Magnus Norman, Ievguêni Kafelnikov, Pete Sampras e Andre Agassi. Em sequência!
Foi acertando o seu jogo de maneira agressiva, tentando definir cada ponto rapidamente, talvez como nunca antes, talvez porque não lhe restavam muitas chances de sobreviver a jogos mais intensos, por causa de sua condição física precária na Copa do Mundo.
Mas foi, principalmente, porque mostrou em Lisboa, deixando claro, aliás, que entre ele, Gustavo Kuerten, e Marat Safin, seu rival, existe grande diferença.
Essa diferença grande a que me refiro não é na batida da bolinha, não é na força do saque, não é na potência dos backhands.
Nisso, Safin e Kuerten, jovens, são bastante parecidos.
A diferença grande entre os tops do ano é naquilo que Kuerten já foi muitas vezes criticado (algumas vezes com razão, outras vezes sem razão): a cabeça.
Sim. Na Corrida dos Campeões, Kuerten passou por Safin na reta final, quase na bandeirada, e venceu por uma cabeça.
Foi coroado o número um do tênis profissional porque, quando precisou, em Lisboa, entre os grandes, os maiores, mostrou que tem mais cabeça que o russo. Em uma competição que estava em suas mãos, Safin deixou claro para quem quis ver que não está preparado para ser coroado. Ainda um tanto distante disso.
A maneira como reage a pontos perdidos, gritando, batendo a raquete no chão, quebrando, mostra que ainda lhe falta algo para ser incontestável, ser o melhor.
Em Lisboa, não houve um único ponto errado em que não reagiu negativamente. Ora gritando, ora falando, ora quebrando raquetes, ora balançando a cabeça com jeito de garoto bravo.
Agiu muitas vezes como um garoto de 13 anos iniciante em tênis. A diferença é que geralmente os garotos de 13 anos que quebram raquetes são repreendidos pelos pais ou pelo professor.
Safin, não. Ele pode fazer isso? Pode. Mas um número um não pode. Um verdadeiro número um não pode mesmo (só John McEn- roe pode, ninguém mais).
Kuerten, por sua vez, mostrou nesta temporada que amadureceu mais que apenas o seu jogo.
Em Lisboa, o ex-cabeludo não se mostrou nervoso, nem irrequieto. Jogou contra Agassi e Sampras com a familiaridade de quem joga no clube local, com a sua turminha. Kuerten aprendeu que o seu clube local é o top ten, que a sua turminha é, já faz um tempo, a de Agassi, Sampras...
Aprendeu e colocou na cabeça. A maneira como encarou os jogos, os rivais, os pontos perdidos, tanto psicologicamente quanto taticamente, foi o que diferenciou seu talento do de Safin.
O tênis tem um número um que pensa e sorri.
Não fosse esse sujeito, brilhante, seria um sujeito igualmente talentoso, mas que vive xingando, com cara de raiva, quebrando raquetes por aí.


Orgulho
O que Kuerten disse a jornalistas estrangeiros sobre o fato de ser um brasileiro o número um do ranking? "Eu amo o Brasil. É uma honra pra mim ser brasileiro."

Reconhecimento
O que Sampras disse sobre Safin ser nervosinho? "É jovem, ainda vai crescer." E sobre Kuerten? "É forte mentalmente, um lutador."

Torcida
O que Safin afirmou quando perdeu a chance de garantir o número um? "Pete, vença", a Sampras, na semifinal. Ao ver Kuerten ir à final: "Boa sorte. Se vencer, é o melhor".

Felicidades
O que Agassi cantou a Kuerten depois do jogo? "Você fez história. Aproveite ao máximo o gosto de ser o melhor." Tenho certeza de que é esta também a mensagem desta coluna e seus leitores, Guga. E-mail reandaku@uol.com.br

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