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Quando o público vai para a privada
JOSÉ ROBERTO TORERO
Colunista da Folha
Neste começo de ano, como algumas centenas de milhares de
pessoas, enfrentei um congestionamento de algumas horas enquanto voltava de Santos para
São Paulo.
Para passar o tempo, consumi
alguns quilos de pipoca, biscoitos
e cocadas. Além disso, pude fazer
algo que não fazia há muito tempo: pensei. Pensei, por exemplo,
nas privatizações dos serviços públicos e nas parcerias no futebol.
Nos dois casos, temos um bem
coletivo passando para as mãos
de poucos. Bem poucos.
Há quem diga que as privatizações foram uma inutilidade, que
só serviram para enriquecer amigos do governo. Uma calúnia! Na
verdade, as privatizações tiveram
um grande mérito: nos fizeram
ver que os serviços públicos de telefonia, energia elétrica e estradas
não eram tão ruins quanto pensávamos. Ou, pelo menos, que podiam ficar piores. Bem piores.
Como as empresas concessionárias de estradas e energia receberam um monopólio de presente,
não sofrem pressão da disputa pelo mercado. Além disso, sendo privadas não precisam ter medo das
eleições, de forma que não há nada que as impeça de ir piorando
seu serviço, sempre buscando o
máximo de ganho com o mínimo
de despesa.
O resultado, como pude comprovar nas várias horas em que
estive parado naquele congestionamento, não é dos melhores.
Com o futebol, pode acontecer a
mesma coisa. Quando nasceram,
fundados por torcedores, por
amantes do futebol, os clubes tinham como principais objetivos
praticar esse esporte e conquistar
uns trofeuzinhos. Com o surgimento das parcerias, seja a ISL, o
HMTF, a XYW, ou a PUTZ, a coisa muda. O principal objetivo passa a ser o lucro.
Ser campeão pode ser bom, mas
ter lucro é bem melhor.
Imagine, por exemplo, que uma
dessas empresas fosse dona do
Santos na época de Pelé.
Ela não hesitaria em vendê-lo a
uma Internazionale de Milão ou
a um Real Madrid, podendo ganhar dezenas de milhões de dólares. Pelé valeria seu peso em ouro.
Por outro lado, se todos os troféus ganhos pelo Santos na década na década de 60 fossem derretidos e vendidos para uma casa de
penhor, certamente não se conseguiria mais do uns cobres.
Creio que a sina da maioria dos
clubes que firmarem parcerias é
tornar-se fornecedor de jogadores
para clubes mais ricos.
E nisso as empresas vão se aproximar muito dos dirigentes corruptos, que preferiam ganhar dinheiro com a venda de seus craques ao invés de mantê-los para
ser campeão. Ou seja, pouco vai
mudar para o torcedor.
Alguns diriam: ""Mas haverá
menos corrupção!".
Ao que eu responderia: ""Rá!".
Mas, vá lá, é bem possível que
esses alguns estejam certos. Mas,
se não há uma corrupção monetária, há a corrupção dos ideais
do clube, que não é dar lucro, mas
vencer jogos e campeonatos; assim como objetivo da energia elétrica ou das estradas não deveria
ser o lucro, mas sim a qualidade
de vida e o desenvolvimento do
país.
A solução, para os serviços públicos e para os clubes, não é a privatização nem deixar que tudo
continue na mesma. A solução seria os torcedores-eleitores-consumidores participarem da vida do
clube e do país.
E, se você acha que isso é pedir
demais, ainda mais com esse sol,
depois não vá reclamar das estradas nem de seu time.
E-mail torero@uol.com.br
José Roberto Torero escreve às sextas-feiras e às terças-feiras
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