São Paulo, Sexta-feira, 07 de Janeiro de 2000


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Quando o público vai para a privada

JOSÉ ROBERTO TORERO
Colunista da Folha

Neste começo de ano, como algumas centenas de milhares de pessoas, enfrentei um congestionamento de algumas horas enquanto voltava de Santos para São Paulo.
Para passar o tempo, consumi alguns quilos de pipoca, biscoitos e cocadas. Além disso, pude fazer algo que não fazia há muito tempo: pensei. Pensei, por exemplo, nas privatizações dos serviços públicos e nas parcerias no futebol.
Nos dois casos, temos um bem coletivo passando para as mãos de poucos. Bem poucos.
Há quem diga que as privatizações foram uma inutilidade, que só serviram para enriquecer amigos do governo. Uma calúnia! Na verdade, as privatizações tiveram um grande mérito: nos fizeram ver que os serviços públicos de telefonia, energia elétrica e estradas não eram tão ruins quanto pensávamos. Ou, pelo menos, que podiam ficar piores. Bem piores.
Como as empresas concessionárias de estradas e energia receberam um monopólio de presente, não sofrem pressão da disputa pelo mercado. Além disso, sendo privadas não precisam ter medo das eleições, de forma que não há nada que as impeça de ir piorando seu serviço, sempre buscando o máximo de ganho com o mínimo de despesa.
O resultado, como pude comprovar nas várias horas em que estive parado naquele congestionamento, não é dos melhores.
Com o futebol, pode acontecer a mesma coisa. Quando nasceram, fundados por torcedores, por amantes do futebol, os clubes tinham como principais objetivos praticar esse esporte e conquistar uns trofeuzinhos. Com o surgimento das parcerias, seja a ISL, o HMTF, a XYW, ou a PUTZ, a coisa muda. O principal objetivo passa a ser o lucro.
Ser campeão pode ser bom, mas ter lucro é bem melhor.
Imagine, por exemplo, que uma dessas empresas fosse dona do Santos na época de Pelé.
Ela não hesitaria em vendê-lo a uma Internazionale de Milão ou a um Real Madrid, podendo ganhar dezenas de milhões de dólares. Pelé valeria seu peso em ouro.
Por outro lado, se todos os troféus ganhos pelo Santos na década na década de 60 fossem derretidos e vendidos para uma casa de penhor, certamente não se conseguiria mais do uns cobres.
Creio que a sina da maioria dos clubes que firmarem parcerias é tornar-se fornecedor de jogadores para clubes mais ricos.
E nisso as empresas vão se aproximar muito dos dirigentes corruptos, que preferiam ganhar dinheiro com a venda de seus craques ao invés de mantê-los para ser campeão. Ou seja, pouco vai mudar para o torcedor.
Alguns diriam: ""Mas haverá menos corrupção!".
Ao que eu responderia: ""Rá!".
Mas, vá lá, é bem possível que esses alguns estejam certos. Mas, se não há uma corrupção monetária, há a corrupção dos ideais do clube, que não é dar lucro, mas vencer jogos e campeonatos; assim como objetivo da energia elétrica ou das estradas não deveria ser o lucro, mas sim a qualidade de vida e o desenvolvimento do país.
A solução, para os serviços públicos e para os clubes, não é a privatização nem deixar que tudo continue na mesma. A solução seria os torcedores-eleitores-consumidores participarem da vida do clube e do país.
E, se você acha que isso é pedir demais, ainda mais com esse sol, depois não vá reclamar das estradas nem de seu time.

E-mail torero@uol.com.br


José Roberto Torero escreve às sextas-feiras e às terças-feiras


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