São Paulo, sexta-feira, 07 de junho de 2002

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ARGENTINA X INGLATERRA

O papel da guerra

O confronto entre Inglaterra e Argentina, que acontece hoje, já começou há tempos, mas nas páginas dos jornais sensacionalistas dos dois países. O jornal esportivo "Olé" chamou o meia inglês Beckham de "capitãozinho", "esquentadinho" e "bonecão". Já os tabloídes londrinos "The Sun" e "Daily Mirror" deram como verdadeiras frases nunca ditas por jogadores argentinos. O primeiro publicou que Simeone queria vingar um amigo morto na Guerra das Malvinas. O segundo imprimiu frase em que Crespo teria chamado os ingleses de imbecis. Essa guerra acabou empatada.

RODRIGO BERTOLOTTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os jornais britânicos retratavam os argentinos com sombreiro mexicano furado de balas e bigodões, enquanto diários portenhos pintavam suásticas na roupa da primeira-ministra Margaret Thatcher. Era a Guerra das Malvinas.
Passados 20 anos, o mesmo expediente sensacionalista é usado para esquentar ainda mais a partida entre Inglaterra e Argentina pela primeira fase do Mundial.
O esportivo "Olé", aquele que em 1996 chamou de "macacos" os atletas da seleção brasileira, foi o primeiro. Quando o meia Beckham se contundiu, deu a manchete ""O império, a rainha e as pontes de Londres tremem".
Com a proximidade do jogo, reforçou a artilharia. ""Larga a chupeta e vê se joga" (endereçado a Beckham), "Os argentinos estão com os dentes cerrados", "Eles têm medo de nós", "Vamos mandá-los para casa outra vez", "Os ingleses são nossos fregueses" foram algumas das manchetes do período anterior à partida.
Já os tablóides ingleses distorceram frases de argentinos para rechear suas páginas. Um dos alvos foi o meia Verón, que joga no Manchester United. O "Daily Mirror" publicou que Verón queria uma vitória hoje para vingar a derrota argentina nas Malvinas.
A fúria sensacionalista fez Diego Maradona recomendar cautela a Verón, afirmando que a imprensa britânica queria destruí-lo.
Já o "The Sun" requentou uma frase em que o atacante Crespo chama os jogadores ingleses de "imbecis" por terem promovido noitadas na preparação para a Copa -com o consentimento do técnico Sven Goran Eriksson.
Já o "News of the World" estampou a manchete "Tudo pelas Malvinas" para uma reportagem em que Simeone e Verón lembravam a vitória por 2 a 1 no Mundial de 1986 como uma vingança pelo conflito armado de 1982.
Na verdade, Simeone tentou ao máximo no Japão escapar dessa armadilha. "Reviver o passado é um jogo jornalístico. Não quero ser macaco de circo", afirmou.
Sua declaração faz lembrar outra, mas de Valdano, atacante da equipe no Mundial de 1986.
"Esta será uma partida ideal para confundir os imbecis. Um jogo entre Argentina e Inglaterra vale por si só, não precisa de elementos conflituosos, de misturar política com esporte", disse antes da vitória argentina com dois gols memoráveis de Maradona, um de mão, outro correndo e driblando seis desde o meio-de-campo.
O confronto anglo-argentino já é um clássico das Copas e não é preciso lembrar de guerras do século 19 e 20 para vendê-lo (tropas inglesas invadiram duas vezes Buenos Aires entre 1806 e 1807).
O primeiro encontro aconteceu no Mundial de 1962, quando os ingleses venceram por 3 a 1, avançaram, mas acabaram eliminados pelo Brasil de Garrincha.
O jogo seguinte, na Copa de 1966, inaugurou a rivalidade dos dois países -quartas-de-final em pleno estádio de Wembley.
O jogo foi muito faltoso, e o capitão argentino, Antonio Rattin, recebeu o cartão vermelho, mas precisou de um tradutor para entender que estava expulso.
Na saída, sentou no tapete real e foi vaiado pelo público. O time da casa venceu por 1 a 0.
O histórico começou a mudar para os sul-americanos em 1986. Em outro jogo eliminatório, os argentinos derrotaram por 2 a 1 a Inglaterra de Lineker e partiram para o bicampeonato mundial.
O penúltimo capítulo foi em 1998, com dois golaços (um de Ortega, outro de Owen) no empate em 2 a 2 (Batistuta e Shearer marcaram os outros).
Nos pênaltis, a Argentina venceu por 4 a 2. Beckham, expulso após simulação de Simeone, virou o vilão da eliminação britânica.
O retrospecto ficou com dois triunfos para cada lado. No episódio de hoje, pode sair o desempate. Para vários personagens, será o desenlace do que aconteceu quatro anos atrás.
Beckham, por exemplo, tem a chance de vingar os últimos fracassos ingleses. Apesar de ser sempre calmo nas entrevistas coletivas, os jornalistas insistiram tanto que ele soltou a raiva contida. Ele afirmou que os rivais são "trapaceiros", em alusão ao teatrinho de Simeone em 1998, e que, se pudesse, também faria um gol de mão "a la Maradona".
Essas frases foram logo ironizadas pelo jornal "Olé", que comparou o jogador a um menino chorão. "Ele treme quando vê a camisa celeste e branca", publicou o diário esportivo.
Nem o jornal oposicionista "Página 12" escapou de tanta polêmica, publicando o título "Confirmado um surto epidêmico na Inglaterra: Diegofobia", referência ao mal da vaca louca, que começou na Grã-Bretanha.
Já o "Daily Mirror" lembrou que a Argentina está passando por uma crise e seus jogadores querem dedicar o título aos compatriotas em dificuldades. Mas exageraram no didatismo: "A Argentina é uma nação destruída" foi uma de suas manchetes.


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