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ARGENTINA X INGLATERRA
O papel da guerra
O confronto entre Inglaterra e
Argentina, que acontece hoje, já começou há tempos,
mas nas páginas dos jornais sensacionalistas dos dois países. O jornal
esportivo "Olé" chamou o meia inglês Beckham de "capitãozinho",
"esquentadinho" e "bonecão". Já
os tabloídes londrinos "The Sun" e
"Daily Mirror" deram como verdadeiras frases nunca ditas por jogadores argentinos. O primeiro publicou que Simeone queria vingar
um amigo morto na Guerra das
Malvinas. O segundo imprimiu frase em que Crespo teria chamado os
ingleses de imbecis. Essa guerra
acabou empatada.
RODRIGO BERTOLOTTO
DA REPORTAGEM LOCAL
Os jornais britânicos retratavam
os argentinos com sombreiro mexicano furado de balas e bigodões,
enquanto diários portenhos pintavam suásticas na roupa da primeira-ministra Margaret Thatcher. Era a Guerra das Malvinas.
Passados 20 anos, o mesmo expediente sensacionalista é usado
para esquentar ainda mais a partida entre Inglaterra e Argentina
pela primeira fase do Mundial.
O esportivo "Olé", aquele que
em 1996 chamou de "macacos" os
atletas da seleção brasileira, foi o
primeiro. Quando o meia Beckham se contundiu, deu a manchete ""O império, a rainha e as
pontes de Londres tremem".
Com a proximidade do jogo, reforçou a artilharia. ""Larga a chupeta e vê se joga" (endereçado a
Beckham), "Os argentinos estão
com os dentes cerrados", "Eles
têm medo de nós", "Vamos mandá-los para casa outra vez", "Os
ingleses são nossos fregueses" foram algumas das manchetes do
período anterior à partida.
Já os tablóides ingleses distorceram frases de argentinos para rechear suas páginas. Um dos alvos
foi o meia Verón, que joga no
Manchester United. O "Daily
Mirror" publicou que Verón queria uma vitória hoje para vingar a
derrota argentina nas Malvinas.
A fúria sensacionalista fez Diego
Maradona recomendar cautela a
Verón, afirmando que a imprensa
britânica queria destruí-lo.
Já o "The Sun" requentou uma
frase em que o atacante Crespo
chama os jogadores ingleses de
"imbecis" por terem promovido
noitadas na preparação para a
Copa -com o consentimento do
técnico Sven Goran Eriksson.
Já o "News of the World" estampou a manchete "Tudo pelas
Malvinas" para uma reportagem
em que Simeone e Verón lembravam a vitória por 2 a 1 no Mundial
de 1986 como uma vingança pelo
conflito armado de 1982.
Na verdade, Simeone tentou ao
máximo no Japão escapar dessa
armadilha. "Reviver o passado é
um jogo jornalístico. Não quero
ser macaco de circo", afirmou.
Sua declaração faz lembrar outra, mas de Valdano, atacante da
equipe no Mundial de 1986.
"Esta será uma partida ideal para confundir os imbecis. Um jogo
entre Argentina e Inglaterra vale
por si só, não precisa de elementos conflituosos, de misturar política com esporte", disse antes da
vitória argentina com dois gols
memoráveis de Maradona, um de
mão, outro correndo e driblando
seis desde o meio-de-campo.
O confronto anglo-argentino já
é um clássico das Copas e não é
preciso lembrar de guerras do século 19 e 20 para vendê-lo (tropas
inglesas invadiram duas vezes
Buenos Aires entre 1806 e 1807).
O primeiro encontro aconteceu
no Mundial de 1962, quando os
ingleses venceram por 3 a 1, avançaram, mas acabaram eliminados
pelo Brasil de Garrincha.
O jogo seguinte, na Copa de
1966, inaugurou a rivalidade dos
dois países -quartas-de-final em
pleno estádio de Wembley.
O jogo foi muito faltoso, e o capitão argentino, Antonio Rattin,
recebeu o cartão vermelho, mas
precisou de um tradutor para entender que estava expulso.
Na saída, sentou no tapete real e
foi vaiado pelo público. O time da
casa venceu por 1 a 0.
O histórico começou a mudar
para os sul-americanos em 1986.
Em outro jogo eliminatório, os argentinos derrotaram por 2 a 1 a
Inglaterra de Lineker e partiram
para o bicampeonato mundial.
O penúltimo capítulo foi em
1998, com dois golaços (um de
Ortega, outro de Owen) no empate em 2 a 2 (Batistuta e Shearer
marcaram os outros).
Nos pênaltis, a Argentina venceu por 4 a 2. Beckham, expulso
após simulação de Simeone, virou
o vilão da eliminação britânica.
O retrospecto ficou com dois
triunfos para cada lado. No episódio de hoje, pode sair o desempate. Para vários personagens, será o
desenlace do que aconteceu quatro anos atrás.
Beckham, por exemplo, tem a
chance de vingar os últimos fracassos ingleses. Apesar de ser
sempre calmo nas entrevistas coletivas, os jornalistas insistiram
tanto que ele soltou a raiva contida. Ele afirmou que os rivais são
"trapaceiros", em alusão ao teatrinho de Simeone em 1998, e que,
se pudesse, também faria um gol
de mão "a la Maradona".
Essas frases foram logo ironizadas pelo jornal "Olé", que comparou o jogador a um menino chorão. "Ele treme quando vê a camisa celeste e branca", publicou o
diário esportivo.
Nem o jornal oposicionista "Página 12" escapou de tanta polêmica, publicando o título "Confirmado um surto epidêmico na Inglaterra: Diegofobia", referência
ao mal da vaca louca, que começou na Grã-Bretanha.
Já o "Daily Mirror" lembrou
que a Argentina está passando
por uma crise e seus jogadores
querem dedicar o título aos compatriotas em dificuldades. Mas
exageraram no didatismo: "A Argentina é uma nação destruída"
foi uma de suas manchetes.
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