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FUTEBOL
Melodia perdida
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O Estatuto do Torcedor é
um avanço de valor inestimável não só para o futebol brasileiro, mas para a cidadania de um modo geral.
Dito isso, é preciso admitir que
sua implantação integral enfrentará inevitavelmente problemas,
que vão desde as precárias condições materiais da maioria dos estádios até a má vontade de muitos dirigentes habituados a décadas de esculhambação.
Mas um dos obstáculos mais difíceis à vigência do novo estatuto
pode ser... o próprio torcedor. Nas
últimas décadas, sobretudo nas
grandes metrópoles, como São
Paulo e Rio, o cidadão que vai ao
estádio acostumou-se a ser desrespeitado em tempo integral.
Do péssimo transporte coletivo
às filas descomunais para comprar ingresso, passando pela falta
de banheiros e pela truculência
policial, o torcedor tem sofrido de
tudo.
Um pouco por isso, um pouco
pela crise social que perpassa o
país -o que significa falta de emprego regular, de escola decente e
de perspectiva de futuro, entre outras coisas-, muitos levam ao estádio uma disposição hostil e vingativa. Não estão ali para se divertir, mas para guerrear.
Esse impulso bélico pode não
chegar às vias de fato, mas se manifesta numa atmosfera geral de
confronto e ameaça.
Em São Paulo, onde ainda é
proibido entrar no estádio com
bandeiras, rojões e instrumentos
musicais, o clima parece ser o
mais pesado do país.
O editor deste caderno, Melchiades Filho, escreveu há algumas semanas um corajoso artigo
sobre o "acanalhamento" do torcedor paulistano (palmeirense,
corintiano, são-paulino ou luso).
Na revista "Super Interessante"
de maio, o diretor de Redação da
"Placar", Sérgio Xavier, dá uma
contribuição interessante, sustentando que a separação das torcidas, em vez de diminuir a violência, atiça-a ainda mais.
O tema, vasto e delicado, não
vai se esgotar tão cedo. Vou me limitar a apontar um aspecto desse
processo de acanalhamento: a
substituição das músicas pelos
gritos de guerra e, analogamente,
do humor pela agressão pura e
simples.
Onde antes se ouviam refrões de
orgulhosa exaltação -do tipo
"olê, olá, o Coringão está botando
pra quebrar"- ou de gozação
gaiata ao adversário -como o
"está chegando a hora", nos últimos minutos de uma partida vencida-, hoje só se ouvem palavrões e ameaças de porrada.
No lugar das paródias de marchinhas e sambas carnavalescos,
muitas vezes com rimas improvisadas na hora, implantou-se uma
monocórdica pobreza de espírito.
Uma das manias mais infames
dos últimos tempos, infelizmente
espalhada por todo o país, é a de
escolher um jogador, ou o juiz, e
hostilizá-lo com o grito: "Ei, Fulano, vai tomar no...", que para começar nem rima, a não ser que o
"homenageado" seja o Cafu.
Mais do que o vocabulário chulo e sem imaginação, o que assusta é a ausência de melodia.
Quem não canta já dançou e nem sabe.
Fera ferida
O primeiro jogo da final da Copa do Brasil, entre Flamengo e
Cruzeiro, vai certamente ofuscar toda a rodada do Brasileirão. A lógica mandaria apostar no Cruzeiro, que tem um elenco mais homogêneo e um futebol mais equilibrado. Mas o Fla,
goleado nos últimos jogos, é
uma fera ferida da qual se pode
esperar tudo, inclusive a vitória.
Quem ri por último
Oswaldo de Oliveira deve estar
rindo sozinho da dificuldade da
diretoria do São Paulo em arranjar um novo treinador. Os
cartolas tricolores querem alguém de primeiro nível, mas
por um salário de segundo.
Achavam que choveriam candidatos para a vaga, mas o tratamento que dispensaram a
Oswaldo deve ter deixado muita gente ressabiada.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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