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São Paulo, sábado, 07 de junho de 2003

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FUTEBOL

Melodia perdida

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O Estatuto do Torcedor é um avanço de valor inestimável não só para o futebol brasileiro, mas para a cidadania de um modo geral.
Dito isso, é preciso admitir que sua implantação integral enfrentará inevitavelmente problemas, que vão desde as precárias condições materiais da maioria dos estádios até a má vontade de muitos dirigentes habituados a décadas de esculhambação.
Mas um dos obstáculos mais difíceis à vigência do novo estatuto pode ser... o próprio torcedor. Nas últimas décadas, sobretudo nas grandes metrópoles, como São Paulo e Rio, o cidadão que vai ao estádio acostumou-se a ser desrespeitado em tempo integral.
Do péssimo transporte coletivo às filas descomunais para comprar ingresso, passando pela falta de banheiros e pela truculência policial, o torcedor tem sofrido de tudo.
Um pouco por isso, um pouco pela crise social que perpassa o país -o que significa falta de emprego regular, de escola decente e de perspectiva de futuro, entre outras coisas-, muitos levam ao estádio uma disposição hostil e vingativa. Não estão ali para se divertir, mas para guerrear.
Esse impulso bélico pode não chegar às vias de fato, mas se manifesta numa atmosfera geral de confronto e ameaça.
Em São Paulo, onde ainda é proibido entrar no estádio com bandeiras, rojões e instrumentos musicais, o clima parece ser o mais pesado do país.
O editor deste caderno, Melchiades Filho, escreveu há algumas semanas um corajoso artigo sobre o "acanalhamento" do torcedor paulistano (palmeirense, corintiano, são-paulino ou luso).
Na revista "Super Interessante" de maio, o diretor de Redação da "Placar", Sérgio Xavier, dá uma contribuição interessante, sustentando que a separação das torcidas, em vez de diminuir a violência, atiça-a ainda mais.
O tema, vasto e delicado, não vai se esgotar tão cedo. Vou me limitar a apontar um aspecto desse processo de acanalhamento: a substituição das músicas pelos gritos de guerra e, analogamente, do humor pela agressão pura e simples.
Onde antes se ouviam refrões de orgulhosa exaltação -do tipo "olê, olá, o Coringão está botando pra quebrar"- ou de gozação gaiata ao adversário -como o "está chegando a hora", nos últimos minutos de uma partida vencida-, hoje só se ouvem palavrões e ameaças de porrada.
No lugar das paródias de marchinhas e sambas carnavalescos, muitas vezes com rimas improvisadas na hora, implantou-se uma monocórdica pobreza de espírito.
Uma das manias mais infames dos últimos tempos, infelizmente espalhada por todo o país, é a de escolher um jogador, ou o juiz, e hostilizá-lo com o grito: "Ei, Fulano, vai tomar no...", que para começar nem rima, a não ser que o "homenageado" seja o Cafu.
Mais do que o vocabulário chulo e sem imaginação, o que assusta é a ausência de melodia.
Quem não canta já dançou e nem sabe.

Fera ferida
O primeiro jogo da final da Copa do Brasil, entre Flamengo e Cruzeiro, vai certamente ofuscar toda a rodada do Brasileirão. A lógica mandaria apostar no Cruzeiro, que tem um elenco mais homogêneo e um futebol mais equilibrado. Mas o Fla, goleado nos últimos jogos, é uma fera ferida da qual se pode esperar tudo, inclusive a vitória.

Quem ri por último
Oswaldo de Oliveira deve estar rindo sozinho da dificuldade da diretoria do São Paulo em arranjar um novo treinador. Os cartolas tricolores querem alguém de primeiro nível, mas por um salário de segundo. Achavam que choveriam candidatos para a vaga, mas o tratamento que dispensaram a Oswaldo deve ter deixado muita gente ressabiada.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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