São Paulo, terça-feira, 07 de junho de 2005

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BASQUETE

Desacato à autoridade

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Kanela passava a tropa em revista, olho nos olhos. Vez ou outra, parava na frente de um, aplicava nele um peteleco e dizia alto, para que todos ouvissem: "Você está tinindo. Seu braço parece de cristal". O escolhido derretia-se com o elogio, momento raro de afeição, de intimidade.
Na época áurea do basquete masculino no Brasil, um verdadeiro abismo separava os atletas do chefe. A autoridade do treinador era total, intocável -distância reforçada pelo nome em idioma estranho ("mister", "coach").
Jogava em favor de Kanela o fato de que, para aquela geração, bicampeã mundial na virada dos anos 50 para os 60, nada valia mais do que o basquete, nada era maior do que a seleção. Até mesmo os (poucos) boêmios prestavam reverências. Sabiam que sem a bola não haveria farra alguma.
Cenário parecido testemunhou o desabrochar da mais vencedora linhagem do basquete feminino. Meninas da roça, meninas ingênuas, meninas discriminadas, meninas sem perspectivas enxergaram o futuro na batuta enérgica de técnicos como Maria Helena Cardoso. Medo, respeito e gratidão acabaram forjando o time que ganhou o Mundial de 1994.
Por isso muita gente boa acredita que o Brasil deveria recorrer a treinadores linha-dura para reerguer as duas seleções principais. Eu não estou tão certo disso.
A "mão-de-obra" de hoje carrega uma bagagem emocional mais complexa. Os veteranos dos clubes costumam reclamar da falta de paixão e apego do jovem praticante. Esquecem-se apenas de que o garoto (e garota) vem crescendo com horizontes expandidos -e não falo aqui da inclusão "FHC", do iogurte ou do frango.
Pegue um rapaz como Anderson Varejão. Em cinco anos, ele deixou o interior do Espírito Santo, jogou em Franca (celeiro nacional de basquete), brilhou em Barcelona (tradicional pólo europeu) e agora atua em Cleveland (na multimilionária NBA).
Ou uma garota como Iziane, que saiu do Maranhão, já rodou por São Paulo, Espanha, Rússia e atualmente sobressai nos EUA.
Ele tem 22 anos; ela, 23. Na idade deles, muitos craques da década de 60 ainda tinham de pular o muro do clube ou driblar a oposição dos pais para bater bola.
Anderson e Iziane, claro, jamais vão encarar o basquete do mesmo modo que um dia o fizeram estrelas como Wlamir e Norminha.
Não quero aqui desestimular o profissional do esporte, afirmar que não deve instilar nos moleques o amor ao esporte. Quero, sim, defender que ele, em vez de lamentar o cinismo da garotada, explore o que ela tem de especial.
Anderson, por exemplo, já trabalhou sob a orientação de Hélio Rubens, do iugoslavo Svetislav Pesic e do americano Paul Silas.
Um sujeito com um repertório desses não se conquista com bate-papo de botequim nem com bronca teatral. Conquista-se, sim, com uma carga de trabalho tão ou mais qualificada do que aquela que ele encontrou no exterior.
Os seguidos maus resultados e as constantes crises de relacionamento mostram que as seleções seguem paradas no tempo. Para movê-las um peteleco não basta.

Distintivo 1
À semelhança do que ocorreu no masculino, as brasileiras aos poucos entregam a hegemonia continental. As juvenis seguiram o exemplo das cadetes e tombaram diante das argentinas -por pouco, não cederam a prata para as inexpressivas paraguaias. No banco estava Antonio Carlos Barbosa, técnico da seleção feminina principal. Afe.

Distintivo 2
O argentino Carlos Duro, que traduz em treinos os clichês de Hélio Rubens, fechou contrato para dirigir o Boca Juniors, relatou o "Olé".

Distintivo 3
A tradição de mais de duas décadas está mantida. As finais da NBA, a partir de quinta-feira, passarão na TV a cabo brasileira (canal FX).

E-mail melk@uol.com.br


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