|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BASQUETE
Desacato à autoridade
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
Kanela passava a tropa em
revista, olho nos olhos. Vez
ou outra, parava na frente de um,
aplicava nele um peteleco e dizia
alto, para que todos ouvissem:
"Você está tinindo. Seu braço parece de cristal". O escolhido derretia-se com o elogio, momento raro de afeição, de intimidade.
Na época áurea do basquete
masculino no Brasil, um verdadeiro abismo separava os atletas
do chefe. A autoridade do treinador era total, intocável -distância reforçada pelo nome em idioma estranho ("mister", "coach").
Jogava em favor de Kanela o fato de que, para aquela geração,
bicampeã mundial na virada dos
anos 50 para os 60, nada valia
mais do que o basquete, nada era
maior do que a seleção. Até mesmo os (poucos) boêmios prestavam reverências. Sabiam que sem
a bola não haveria farra alguma.
Cenário parecido testemunhou
o desabrochar da mais vencedora
linhagem do basquete feminino.
Meninas da roça, meninas ingênuas, meninas discriminadas,
meninas sem perspectivas enxergaram o futuro na batuta enérgica de técnicos como Maria Helena Cardoso. Medo, respeito e gratidão acabaram forjando o time
que ganhou o Mundial de 1994.
Por isso muita gente boa acredita que o Brasil deveria recorrer a
treinadores linha-dura para reerguer as duas seleções principais.
Eu não estou tão certo disso.
A "mão-de-obra" de hoje carrega uma bagagem emocional mais
complexa. Os veteranos dos clubes costumam reclamar da falta
de paixão e apego do jovem praticante. Esquecem-se apenas de
que o garoto (e garota) vem crescendo com horizontes expandidos
-e não falo aqui da inclusão
"FHC", do iogurte ou do frango.
Pegue um rapaz como Anderson Varejão. Em cinco anos, ele
deixou o interior do Espírito Santo, jogou em Franca (celeiro nacional de basquete), brilhou em
Barcelona (tradicional pólo europeu) e agora atua em Cleveland
(na multimilionária NBA).
Ou uma garota como Iziane,
que saiu do Maranhão, já rodou
por São Paulo, Espanha, Rússia e
atualmente sobressai nos EUA.
Ele tem 22 anos; ela, 23. Na idade deles, muitos craques da década de 60 ainda tinham de pular o
muro do clube ou driblar a oposição dos pais para bater bola.
Anderson e Iziane, claro, jamais
vão encarar o basquete do mesmo
modo que um dia o fizeram estrelas como Wlamir e Norminha.
Não quero aqui desestimular o
profissional do esporte, afirmar
que não deve instilar nos moleques o amor ao esporte. Quero,
sim, defender que ele, em vez de
lamentar o cinismo da garotada,
explore o que ela tem de especial.
Anderson, por exemplo, já trabalhou sob a orientação de Hélio
Rubens, do iugoslavo Svetislav
Pesic e do americano Paul Silas.
Um sujeito com um repertório
desses não se conquista com bate-papo de botequim nem com bronca teatral. Conquista-se, sim, com
uma carga de trabalho tão ou
mais qualificada do que aquela
que ele encontrou no exterior.
Os seguidos maus resultados e
as constantes crises de relacionamento mostram que as seleções
seguem paradas no tempo. Para
movê-las um peteleco não basta.
Distintivo 1
À semelhança do que ocorreu no masculino, as brasileiras aos poucos entregam a hegemonia continental. As juvenis seguiram o exemplo das cadetes e tombaram diante das argentinas -por pouco, não
cederam a prata para as inexpressivas paraguaias. No banco estava
Antonio Carlos Barbosa, técnico da seleção feminina principal. Afe.
Distintivo 2
O argentino Carlos Duro, que traduz em treinos os clichês de Hélio
Rubens, fechou contrato para dirigir o Boca Juniors, relatou o "Olé".
Distintivo 3
A tradição de mais de duas décadas está mantida. As finais da NBA, a
partir de quinta-feira, passarão na TV a cabo brasileira (canal FX).
E-mail melk@uol.com.br
Texto Anterior: Tênis: Guga cai 120 lugares e fica fora do top 200 Próximo Texto: Futebol - Marcos Augusto Gonçalves: Vamos com o luxo! Índice
|