São Paulo, domingo, 7 de junho de 1998

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Começa Copa do bastidor

HUMBERTO SACCOMANDI
enviado especial a Paris

A Fifa (Federação Internacional de Futebol Association) começa a decidir hoje o sucessor do brasileiro João Havelange, que preside a entidade desde 1974.
A escolha ficará a cargo do 51º Congresso da entidade, que começa em Paris e vai até amanhã, quando representantes de 192 países-membros com direito a voto vão eleger entre o suíço Joseph Blatter (candidato de Havelange) e o sueco Lennart Johansson.
Não se trata só de uma disputa esportiva. A Fifa controla um dos mais valiosos negócios do planeta: o jogo mais popular e o evento mais visto pela TV (a Copa do Mundo supera a Olimpíada).
Para Havelange, o impacto anual do futebol na economia mundial chega a US$ 260 bilhões. O valor pode ser superestimado, mas dá uma idéia de dimensão.
Suas decisões afetam a atividade de milhares de clubes profissionais, empresas (as que patrocinam o esporte, de material esportivo, de marketing), organizações de mídia e milhões de jogadores (profissionais e amadores).
Diretamente, a Fifa vai administrar cerca de US$ 4 bilhões entre direitos de TV e arrecadação de público de seus torneios nos próximos oito anos e contratos de patrocínio, cujos detalhes a Fifa se recusa a revelar.
Ao controlar o esporte, a Fifa direta ou indiretamente influencia a vida de 200 milhões de jogadores de futebol (amadores e profissionais) pelo mundo, sendo 40 milhões de mulheres. Sem falar nos bilhões de torcedores.
Todo esse poder fica em grande parte concentrado nas mãos do presidente, já que o principal órgão da Fifa, o comitê executivo, se reúne somente duas vezes por ano.
Esse homem se torna uma mistura de secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas) e de presidente de uma multinacional. "Não estou aqui para ver belos jogos. Estou aqui para administrar a Fifa como uma empresa. A Fifa é um poder", disse ontem Havelange, em entrevista coletiva.
Não impressiona, assim, que Blatter (secretário-geral da Fifa) e Johansson (presidente da Uefa, o órgão do futebol europeu) disputem com tanto empenho um cargo que nem remunerado é, numa associação sem fins lucrativos.
O sueco baseia sua campanha na necessidade de dar mais democracia e transparência às decisões e aos negócios de Fifa, marcados por suspeitas de favorecimento no reinado de 24 anos de Havelange.
O suíço diz que a Europa quer reaver o controle do futebol mundial e privilegiar os países ricos, em detrimento de América Latina, Ásia e África (desde sempre a base de poder de Havelange).
Outro importante ponto de discórdia diz respeito à Copa de 2006. Johansson a quer na Alemanha (país que banca sua candidatura). Blatter a prometeu para a África do Sul. Depois seria a vez da América Latina. Só em 2014 a Copa voltaria para a Europa.
A campanha foi marcada pela troca de acusações e ausência de "fair play" (o jogo limpo que a Fifa incentiva em campo).
O grupo de Johansson fez circular um panfleto anônimo com acusações contra Blatter, durante a última reunião do comitê executivo da Fifa, há duas semanas.
Este, por sua vez, esperou até o último momento para se declarar candidato. Assim, pode viajar pelo mundo como secretário-geral, à custa da Fifa, divulgando a sua candidatura.
Os dois candidatos, como é de costume em eleições, dizem ter a maioria dos votos. Blatter fala em 112. Johansson, em 111. Como a soma dá 223 (e não 192), ou alguém está superavaliando suas chances, ou o índice de traição eleitoral será muito alto.
Traições essas que, segundo acusações de ambas as partes, estão sendo estimuladas pelas promessas de benefícios futuros.
Três meses atrás, a candidatura de Johansson parecia imbatível. Tinha o apoio da Europa, da África e de boa parte da Ásia.
Hoje, o favoritismo parece estar com Johansson, que assegurou o apoio das Américas, de parte da África e da Ásia e vem conseguindo importantes cisões na Europa, como a França e a Inglaterra.
Se vencer, o poder de Havelange na Fifa deve sobreviver ao seu afastamento da Presidência.



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