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BASQUETE
Soldado da fortuna
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
Tocava bois magros, manhã
e noite, à procura de brotos.
Dia sim, dia não, cuidava da ordenha. A rotina era simples, igual
à de outros adolescentes daquelas
planícies de pobreza. Mas ele não,
era especial, a estrela da fazenda.
Os garotos até cobravam ingresso
dos visitantes. Fósforos, lâminas e
guloseimas, o preço para ver o jovem pastor de 2,20 m.
Um grupo de curiosos encantou-se. Concluiu, rápido, que o
rapaz seria perfeito para atrair
incrédulos à missão religiosa.
O convite foi feito ao pai, líder
do clã Dinka. A promessa de ensinar ao menino os segredos do alfabeto arrancou-lhe o sim.
Aos 15 anos, fenômeno da mitose, o jovem encheu uma pequena
trouxa de lona com roupas e juntou-se à caravana católica.
A trilha de 800 km em direção
ao norte consumiu várias semanas. Boa parte, segundo se comenta à fogueira da tribo passados 20 anos, foi feita a pé.
A chegada à periferia da cidade
de Cartum, o adolescente festejou
com gritos e abraços. O primeiro
contato com a bola laranja, com
chutes que doíam o dedão do pé.
Foi, assim, na escola de catecismo que, aos 16 anos, ele conheceu
o lápis e o basquete.
Dois anos e muitos arremessos
depois, deixava para trás a capital sudanesa e as lembranças da
fazenda de Bahr Al-Ghazal.
Os padres conseguiram-lhe bolsa de estudos. Os, agora, 2,31 m de
altura bastaram para seduzir a
pequena universidade de Bridgeport, costa leste dos EUA.
Em 1985, Manute Bol, 23, assinava seu primeiro contrato, juntava-se ao nigeriano Hakeem
Olajuwon e fazia a NBA mover os
olhos na direção da África.
Para os padrões profissionais,
ele não sabia quase nada de basquete. Seu repertório ofensivo resumia-se a um ganchinho vagabundo e a uma enterrada burocrática -com as duas mãos.
Mas a estatura, sobretudo a envergadura, faziam diferença na
defesa. Logo no primeiro ano, estabelecia o recorde de tocos.
Apesar do descrédito, Bol construiu uma sólida carreira de dez
anos na NBA. Atuou ao lado de
"dream teamers", como Charles
Barkley e Chris Mullin. Faturou
milhões em salários e propagandas. Voltou ao Sudão como herói.
Mas a saga do mais alto jogador
da história da liga norte-americana não acabou em 1996.
O casamento com uma americana de New Jersey ruiu. A guarda dos quatro filhos foi perdida.
Toda a fortuna acabou, escoada em negócios fracassados, na
ajuda à numerosa e miserável família e no financiamento de grupos armados rebeldes no sul católico do Sudão -o ex-jogador gastou US$ 3,5 milhões somente com
os grupos separatistas, que desde
1983 combatem o regime muçulmano em uma guerra civil que já
matou 2 milhões.
O reumatismo crônico o impede
de matar a saudade da bola.
Mas Manute Bol, 39, ainda não
desistiu do sonho americano.
Após três anos recluso na sua
tribo, obteve autorização para
cruzar a fronteira do Egito.
Hoje, divide apartamento de
um quarto, no Cairo, com a segunda esposa, um bebê de 20 meses e outros três fugitivos do clã.
O dinheiro da passagem já está
contadinho. O pedido de uma
pensão para a NBA, redigido. Falta apenas o novo visto de entrada.
Há três semanas, o gigante está
acampado na porta da embaixada norte-americana. Ainda não
conseguiu atravessar os portões.
África 1
Hakeem Olajuwon, 38, bicampeão da NBA, trocou de equipe. Depois de 17 campeonatos em Houston, vai reforçar o Toronto por
três anos. Apesar da decadência física, ele ainda pode ser muito útil
-sobretudo na Conferência Leste, tão carente de bons pivôs.
África 2
A NBA conta hoje com uma dezena de gigantes nascidos na África.
O último a assinar foi o senegalês DeSagana Diop, do Cleveland.
África 3
A ONU está preocupada com o garimpo do basquete no continente. Há denúncias de que olheiros raptam meninos das tribos, levando-os clandestinamente para países europeus.
África 4
Cerca de 80% dos jogadores da NBA são negros.
E-mail: melk@uol.com.br
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