São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2004

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FUTEBOL

Só se fala de futebol

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Eu me preparei para começar esta coluna dizendo: "Agora que a vida começa a voltar ao normal...". Desisti. Começa? Voltar, normal??
De todo modo, já posso reservar umas horas para ler e escrever sobre futebol. E consigo assistir a alguns jogos, como São Paulo x Palmeiras, com o delicioso (para os são-paulinos) e patético (para os palmeirenses) gol no 47º minuto do segundo tempo. Segundos antes, o Palmeiras contra-atacava, e Leão fazia gestos largos à beira do campo; não sei se mandava o time voltar para marcar ou pedia ao juiz que encerrasse o jogo... Mal podia imaginar que Sérgio faria dois milagres seguidos e mesmo assim tomaria um gol.
Por essas e outras, não consigo festejar antes do apito do juiz.
Anteontem à tarde, o juiz apitou mais um fim de jogo: vitória da são-paulina Luana, 8, que ficou "de alta" (como as próprias crianças costumam dizer). Era a melhor amiga da minha filha no Itaci (Instituto de Tratamento do Câncer Infantil), mas Julia, 7, não se abalou nem um pouco com a separação. Pensei que fosse ficar chateada, mas assimilou mais uma novidade com uma tranqüilidade impressionante.
Lá dentro, fala-se de futebol o tempo todo -dr. Vicente Odone é palmeirense até a medula (não precisamos abandonar velhas expressões, certo?); Rafael, 10, já foi alviverde, mas por pouco tempo. O tio fanático o convenceu a torcer para o Palestra ao prometer levá-lo ao estádio. Bem antes do diagnóstico de leucemia, o garoto viu o 4 a 4 com o Santo André, que eliminou o Palmeiras da Copa do Brasil. Mas não foi a decepção que o fez rasgar a camisa: a emoção da arquibancada lotada foi suficiente para consolá-lo na ocasião. Só não pôde fazer frente à visita de atletas do Corinthians ao Hospital das Clínicas -desde então, o boné assinado por Fábio Costa, Alberto e Filipe Alvim não sai de sua cabeça, enquanto joga futebol no computador.
Histórias de vitórias são animadoras nessa hora (ou em todas as horas): Narciso, Washington, Giba... Os três e outros passaram por momentos difíceis, em que suas vidas estiveram em perigo, e cada um deu a sua virada. Agradeço a todos os que contam suas conquistas, que oferecem apoio e ajuda, que dão sangue pelos outros. Agradeço aos pesquisadores e religiosos; aos profissionais e voluntários; aos amigos e desconhecidos. Gostoso como uma tarde de sol, um gol de placa ou um abraço apertado é se sentir confortado pela generosidade humana.
 
Mas a vida corre perigo o tempo todo. O filho sempre pode sair de casa e não voltar. Um garoto pode ser espancado por outro por usar uma camisa de cor diferente. O trânsito mata como as guerras. Tiros são absurdamente comuns.
Só soube ontem, por causa do minuto de silêncio em homenagem a ele, que não vou mais ouvir ou falar com Pedro Luis Junior. Que tristeza, que estupidez. Precisamos dar um jeito de produzir menos pessoas com total descaso, desprezo e desrespeito pela vida.

Que se virem
Reconhecendo que o preço das arquibancadas no estádio Rei Pelé para a partida da seleção é muito alto (R$ 80 por cabeça), o presidente em exercício da Federação Alagoana afirmou que "o torcedor vai buscar de qualquer maneira arranjar um jeito de comprar o ingresso". No mesmo dia em que o Painel FC publicou essa declaração (na quarta-feira da semana passada), a Folha reproduziu um comentário de Fábio Koff, presidente do Clube dos 13, sobre o Estatuto do Torcedor: "Determinados dispositivos são inexeqüíveis porque a lei demanda um investimento que os clubes não têm como realizar". Quer dizer, o raciocínio "que se virem para arrumar o dinheiro" serve para um lado só: o do torcedor.

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


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