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FUTEBOL
Só se fala de futebol
SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA
Eu me preparei para começar esta coluna dizendo:
"Agora que a vida começa a voltar ao normal...". Desisti. Começa? Voltar, normal??
De todo modo, já posso reservar
umas horas para ler e escrever sobre futebol. E consigo assistir a alguns jogos, como São Paulo x Palmeiras, com o delicioso (para os
são-paulinos) e patético (para os
palmeirenses) gol no 47º minuto
do segundo tempo. Segundos antes, o Palmeiras contra-atacava, e
Leão fazia gestos largos à beira do
campo; não sei se mandava o time voltar para marcar ou pedia
ao juiz que encerrasse o jogo...
Mal podia imaginar que Sérgio
faria dois milagres seguidos e
mesmo assim tomaria um gol.
Por essas e outras, não consigo
festejar antes do apito do juiz.
Anteontem à tarde, o juiz apitou mais um fim de jogo: vitória
da são-paulina Luana, 8, que ficou "de alta" (como as próprias
crianças costumam dizer). Era a
melhor amiga da minha filha no
Itaci (Instituto de Tratamento do
Câncer Infantil), mas Julia, 7, não
se abalou nem um pouco com a
separação. Pensei que fosse ficar
chateada, mas assimilou mais
uma novidade com uma tranqüilidade impressionante.
Lá dentro, fala-se de futebol o
tempo todo -dr. Vicente Odone
é palmeirense até a medula (não
precisamos abandonar velhas expressões, certo?); Rafael, 10, já foi
alviverde, mas por pouco tempo.
O tio fanático o convenceu a torcer para o Palestra ao prometer
levá-lo ao estádio. Bem antes do
diagnóstico de leucemia, o garoto
viu o 4 a 4 com o Santo André,
que eliminou o Palmeiras da Copa do Brasil. Mas não foi a decepção que o fez rasgar a camisa: a
emoção da arquibancada lotada
foi suficiente para consolá-lo na
ocasião. Só não pôde fazer frente
à visita de atletas do Corinthians
ao Hospital das Clínicas -desde
então, o boné assinado por Fábio
Costa, Alberto e Filipe Alvim não
sai de sua cabeça, enquanto joga
futebol no computador.
Histórias de vitórias são animadoras nessa hora (ou em todas as
horas): Narciso, Washington, Giba... Os três e outros passaram por
momentos difíceis, em que suas
vidas estiveram em perigo, e cada
um deu a sua virada. Agradeço a
todos os que contam suas conquistas, que oferecem apoio e ajuda, que dão sangue pelos outros.
Agradeço aos pesquisadores e religiosos; aos profissionais e voluntários; aos amigos e desconhecidos. Gostoso como uma tarde de
sol, um gol de placa ou um abraço
apertado é se sentir confortado
pela generosidade humana.
Mas a vida corre perigo o tempo
todo. O filho sempre pode sair de
casa e não voltar. Um garoto pode
ser espancado por outro por usar
uma camisa de cor diferente. O
trânsito mata como as guerras.
Tiros são absurdamente comuns.
Só soube ontem, por causa do
minuto de silêncio em homenagem a ele, que não vou mais ouvir
ou falar com Pedro Luis Junior.
Que tristeza, que estupidez. Precisamos dar um jeito de produzir
menos pessoas com total descaso,
desprezo e desrespeito pela vida.
Que se virem
Reconhecendo que o preço das
arquibancadas no estádio Rei
Pelé para a partida da seleção é
muito alto (R$ 80 por cabeça), o
presidente em exercício da Federação Alagoana afirmou que
"o torcedor vai buscar de qualquer maneira arranjar um jeito
de comprar o ingresso". No
mesmo dia em que o Painel FC
publicou essa declaração (na
quarta-feira da semana passada), a Folha reproduziu um comentário de Fábio Koff, presidente do Clube dos 13, sobre o
Estatuto do Torcedor: "Determinados dispositivos são inexeqüíveis porque a lei demanda
um investimento que os clubes
não têm como realizar". Quer
dizer, o raciocínio "que se virem para arrumar o dinheiro"
serve para um lado só: o do
torcedor.
E-mail
soninha.folha@uol.com.br
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