São Paulo, quarta, 7 de outubro de 1998

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A história se repete, nem sempre como farsa

ALBERTO HELENA JR.
da Equipe de Articulistas

² O mundo gira, a Lusitana roda, e a história se repete, nem sempre como farsa. Juntei aí um slogan e um clichê, pensando numa legenda: Leônidas da Silva, que há um mês completou 85 anos de vida.
De vida?
Nem mesmo quem conhece a magnitude desse nome sabe que ele ainda está vivo. Por exemplo: meu amigo Teixeira Heizer, velho catador de preciosidades ao longo do caminho, ao referir-se ao Diamante Negro, no seu livro lançado este ano, tratava-o como uma doce lembrança apenas. Mas é compreensível, pois o velho Leônidas, há muitos anos, preferiu exilar-se no seu mundo íntimo, deixando-nos tão- somente a recordação de seus feitos.
Como transmitir às novas gerações o que representou Leônidas, o Homem-de-Borracha, se meu filho Vinicius, por exemplo, que já anda beirando os trinta, só conhece Pelé de nome? De vista, alguns fragmentos da carreira mais luminosa que atravessou os campos de futebol do mundo, que, vez por outra, são exibidos na TV.
Romário? Deste, tinha a esperteza, uma vaga semelhança no talhe físico, embora os traços fossem os de Dodô, além da volúpia pelo gol.
Nunca saboreou a glória de um título mundial, como Romário, embora tivesse disputado duas Copas do Mundo -a de 34 e a 38, a primeira com 18 anos de idade, o que o aproxima ainda mais de Pelé, nosso gênio-menino.
Como Romário, era rebelde, boêmio, amado e odiado com a mesma intensidade pelos torcedores sempre exigentes.
Para se ter uma vaga idéia, sem os poderes do marketing de hoje, Leônidas, na virada dos anos 30 para os 40, como bem diz João Máximo no seu livro "Os Gigantes do Futebol", só se comparava, em popularidade, ao ditador Getúlio Vargas e a Orlando Silva, cujo apodo diz tudo -O Cantor das Multidões.
É, portanto, impossível imaginar o que teria sido Leônidas, sob a luz da propaganda atual e diante dos olhos da TV.
Seus gols, dribles, passes e encrencas eram registrados apenas pelas vozes dos locutores de rádio, uma ou outra foto nas páginas resumidas de esportes dos jornais e nas estampas grosseiras das figurinhas dos álbuns das Balas Foot-Ball.
No auge do sucesso, porém, artilheiro da Copa de 38, Leônidas sofreu o baque do qual jamais se recuperou, nem nos anos de fartura -de 42 a 49- que viveu no São Paulo, para onde veio a peso de ouro e sob a suspeita de que o tricolor, a exemplo do mineiro da anedota, havia comprado um bonde. Joelho baleado, teve de participar dos dois jogos contra os tchecos, em menos de 48 horas, mas refluiu ao embate com os italianos que nos tiraram da disputa pelo título. Marcou ainda dois gols na Suécia, mas voltou sob o estigma de que havia se vendido a Mussollini e sua corja.
Trinta e seis anos depois, já como comentarista da Pan, numa tarde fria e calma, em plena Floresta Negra, durante a Copa da Alemanha, Leônidas driblou uma gota de cristal que teimava em escapar-lhe do olho e deixou escorrer a confidência: "Devia ter me estourado de vez. Mas é que doía, doía muito".
Onde estava mesmo? Ah, sim, eu dizia que a história se repete, nem sempre como farsa.
²


Alberto Helena Jr. escreve aos domingos, segundas e quartas



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