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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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Maioria dos brasileiros que foi ao pódio em Sydney-2000 não conseguiu alavancar a carreira nem obter patrocínios com o objeto mais cobiçado do esporte

Para que serve a medalha?

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Elas têm 6,8 cm de diâmetro. Trazem desenhos do Coliseu, de uma corrida de biga, da deusa grega da vitória e da Opera House, o cartão-postal de Sydney.
Foram cobiçadas por 10.651 atletas, na mais inchada Olimpíada da história. Doze delas -seis de prata e seis de bronze- acabaram nas mãos de brasileiros e se tornaram a principal esperança de um futuro pródigo na carreira.
Mas não foi bem assim.
A esmagadora maioria dos competidores locais que voltou da Austrália com uma medalha olímpica pendurada no peito não conseguiu amealhar patrocinadores nem melhorar as performances. Mais: alguns enfrentaram crises técnicas, graves contusões e cogitaram até desistir do esporte.
"Foi uma ilusão. Achei que tudo seria mais fácil. Mas a medalha não tem a repercussão aqui que tem lá fora. Comecei a treinar pouco para correr atrás de patrocínio e acabei tendo alguns resultados muito ruins", afirmou Carlos Honorato, prata em Sydney na categoria até 90 kg.
Um ano após a Olimpíada, o judoca, desmotivado, não conseguia se manter no peso ideal e acabou fora do Mundial de Munique. "Só comecei a retomar minha forma em 2002. Agora, quero obter um bom resultado no Pan para engrenar", disse.
Situação semelhante viveram os integrantes do revezamento 4 x 100 m rasos, que só perdeu para o fortíssimo time norte-americano na Austrália. Vicente Lenílson, Edson Luciano, André Domingos e Claudinei Quirino não foram bem no Mundial do Canadá, em 2001, tiveram problemas financeiros e de contusões e agora tentam uma vaga no Pan para dar gás ao sonho de chegar à Atenas-2004.
"Eu defendia o Vasco na época da Olimpíada e, após os Jogos, fiquei muito tempo sem receber salário. Pensei diversas vezes em parar", contou Lenílson.
Outro revezamento, formado pelos nadadores Gustavo Borges, Fernando Scherer, Carlos Jayme e Edvaldo Valério, bronze na piscina do Sydney Aquatic Centre no 4 x 100 m livre, encontrou os mesmos entraves. À exceção de Borges, todos tiveram problemas para permanecer na elite.
"Comigo aconteceu algo engraçado. Como medalhista olímpico, tive um grande reconhecimento nos EUA e consegui uma bolsa para estudar e defender a Universidade da Flórida. Mas, no meu país, poucos se lembraram de mim", contou o goiano Jayme.

Crise
Algumas modalidades viveram crises ainda mais agudas. O vôlei feminino, bronze nos Jogos, é um caso emblemático.
A seleção trocou de técnico -Bernardinho foi para o time masculino e deu lugar a Marco Aurélio Motta. Em 2001, a equipe terminou em quinto lugar no Grand Prix, a pior colocação da história do Brasil no evento.
No ano passado, a crise se instaurou de vez. Por problemas de relacionamentos, Motta perdeu cinco titulares, precisou renovar o elenco e ficou em quarto no Grand Prix e sétimo no Mundial.
Em 2003, chamou de volta duas rebeladas -Raquel e Virna-, mas continua fazendo experiência com novatas.
No vôlei de praia, modalidade que arrebatou três pódios na Olimpíada, duplas foram desfeitas e muita amargura restou das performances na Austrália.
"Aquilo é uma febre, você acha que tudo vai ser maravilhoso quando voltar ao Brasil. Depois, tem que se tocar que a vida vai continuar como era antes", disse o medalhista de bronze Zé Marco, que jogou ao lado de Ricardo e abandonou as areias em 2002.
A parceria entre Adriana Behar e Shelda seguiu firme após angariar uma prata na Olimpíada. Em 2002, a dupla foi vice-campeã mundial, mas, nesta temporada, enfrentou problemas de contusões e só no último final de semana conseguiu deslanchar no Circuito Brasileiro.
Já as medalhistas de bronze Adriana e Sandra também se separaram. A primeira não atua mais, e a segunda terminou o Circuito Mundial de 2002, ao lado da parceira Leila, na sétima posição.
O mais inconformado com a situação dos medalhistas, contudo, é Ricardo. Hoje jogando ao lado de Emanuel, ele lembra com ressentimento de como era recebido quando buscava incentivos para continuar jogando.
"Eu chegava com um bronze olímpico nas empresas, a maior glória de minha vida, e eles temiam associar a marca àquela medalha. Diziam que o bronze era uma derrota", afirmou.
Apesar dos percalços, Ricardo não desiste. É o líder do Circuito Brasileiro e não pensa em parar. Acredita que, um dia, terá o reconhecimento que merece. Ganhar o pedaço de metal de 6,8 cm de diâmetro mais desejado do esporte não foi suficiente para isso.


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