São Paulo, sexta-feira, 08 de junho de 2007

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desperdício

Tênis do Brasil não vê legado de Guga

Dez anos após primeiro título de Roland Garros, modalidade mostra que não aproveitou quase nada da onda do ex-nš 1

País não tem top 100, não é campeão desde 2004, vê número de jogadores voltar ao patamar pré-Kuerten e perde fábrica de raquetes


FERNANDO ITOKAZU
LUÍS FERRARI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma década depois de Gustavo Kuerten conquistar seu primeiro título em Roland Garros, o tênis brasileiro não tem o que comemorar.
Enquanto o catarinense, que não programou nada de especial para hoje, seguirá treinando em Camboriú (SC), a comunidade do tênis nacional observará a efeméride lamentando o fato de a modalidade ter desperdiçado a chance de catapultar sua presença na cena esportiva brasileira propalada pelo grande sucesso do ídolo.
Atletas, dirigentes e os principais personagens do mercado nacional do tênis são unânimes na avaliação: dez anos depois de o cabeludo surfista do saibro colocar o Brasil no mapa da modalidade, o legado para o tênis nacional é quase nulo.
"É um pouco frustrante ver que praticamente nada foi feito. O esporte em si se popularizou, surgiram muitos projetos, mas não houve um desenvolvimento de um programa qualificado", lamenta Guga, que nesse período ganhou outros dois títulos no Aberto da França e foi número um do mundo.
O diagnóstico de que o efeito Guga foi uma onda que passou sem deixar rastros permeia a elite do esporte, a prática amadora nas academias e as lojas de material esportivo.
O período ficou marcado pela pior crise política do tênis nacional. Alegando discordar do trabalho de desenvolvimento no país, os principais tenistas do país, liderados por Guga, boicotaram a Copa Davis, o que levou o país à terceira divisão do torneio. O boicote só acabou com a saída de Nelson Nastás da CBT (Confederação Brasileira de Tênis), no fim de 2004.
"O Guga deu um grande impulso ao tênis, mas também o destruiu ao boicotar a Davis. Puseram na cabeça dele que não estava sendo feito nada", afirma Nastás. "Mas o trabalho de estrutura e base foi feito."
Se foi feito, não está dando resultado. Entre os profissionais, o Brasil não conta atualmente sequer com um top 100, e o último título relevante na ATP foi em setembro de 2004.
"O fenômeno Guga gravou como tatuagem, mas não existe continuidade", diz Carlos Gonçalves, vice-presidente da federação paulista. A entidade tinha entre 4.500 e 5.000 filiados ativos em 1996, foi a 7.000, e agora voltou ao patamar pré-Guga.
O surgimento do ídolo provocou uma euforia que aqueceu o mercado no início. Mas sem consolidar seu crescimento.
"O sucesso do Guga foi acompanhado por um "boom" de novas academias. Hoje, muitas fecham as portas. Com a concorrência das quadras que se espalham por condomínios, talvez o mercado esteja pior do que antes de 97", diz Glauco Pereira, coordenador técnico da rede de academias Play Tennis, uma das mais antigas do país.
O mercado de raquetes confirma a análise. Paulo de Tarso, diretor-geral da Head Brasil, conta que a empresa deixou de abrir uma fábrica em Manaus. "Tínhamos estudo para fabricar para toda a América Latina no Brasil. Com a queda do mercado, ficou inviável. A Head decidiu fabricar na China."
Em 2001, ano que começou com Guga como número 1 do mundo, foram vendidas 200 mil raquetes. Em 2006, 130 mil.
Nora Vallejos, presidente da Wilson no Brasil, conta que houve uma migração de tenistas amadores inicialmente motivados pelo efeito Guga.
"Na época, muitos garotos de 14, 15 anos começaram inspirados em Guga. Esse consumidor, hoje com 25 anos, passou para outros esportes, como corrida de rua e corrida de aventura."
"A gente é responsável por esses dez anos em que não foi feito nada", afirma o atual presidente da CBT, Jorge Lacerda da Rosa, citando dirigentes, treinadores, jogadores e mídia.


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