São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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"Andar de cima" domina o Brasil que desafia Atenas

Três quartos da delegação nacional nasceram em cidades com IDH superior à média do país

GUILHERME ROSEGUINI
ROBERTO DIAS
ENVIADOS ESPECIAIS A ATENAS

PAULO COBOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Ginástica e uma partida de tênis pela manhã. Depois, uma visita a seu restaurante, para resolver burocracias. À tarde, uma rápida passagem pela confecção de roupas da mulher antes de levar o barco ao mar para os treinos.
Em sua Niterói (RJ), Marcelo Ferreira construiu uma vida tranqüila, negócios e uma carreira esportiva que pode culminar, em Atenas, com mais uma medalha olímpica, a segunda.
"Já morei nos EUA e na Itália, mas é aqui que gosto de ficar. Tem a minha cara", diz ele.
Não é por acaso. Niterói é a cidade brasileira de terceiro maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), padrão adotado pela ONU para avaliar a qualidade de vida no mundo, com base na expectativa de vida, no nível educacional e na renda per capita.
Na cidade do litoral fluminense também nasceram a jogadora de vôlei Valeskinha, que vai à primeira Olimpíada, e a mãe dela, Aída dos Santos.
A ex-atleta é dona do melhor resultado de mulheres brasileiras no atletismo na história dos Jogos: ficou em quarto lugar no salto em altura em Tóquio-1964.
De certa forma, Ferreira e Valeskinha são a cara do Brasil que vai competir na Olimpíada que começa nesta semana na Grécia: uma delegação que em sua maioria nasceu em cidades com habitantes mais instruídos, mais longevos e de renda mais alta.

Olímpico x real
O resultado disso é que o país manda às quadras, piscinas e campos sua faceta elitista, algo distante de sua realidade.
Quase três quartos da delegação nasceu em cidades que têm IDH-M (o equivalente municipal do IDH) igual ou superior a 0,800 -o piso que a ONU estabeleceu para indicar alta qualidade de vida. A conta exata: dos 246 atletas nacionais, 182 vieram de cidades que se encaixam nesse perfil.
Para ter idéia do tamanho da disparidade entre o Brasil olímpico e o Brasil real, basta saber que só 37% da população mora em cidades de alta qualidade de vida.
Mesmo somados os 64 atletas que não nasceram em cidades de alto desenvolvimento, o Brasil olímpico teria um IDH de 0,797. Tal desempenho faria o país subir do 73º posto para o 54º no ranking dos países de 2000, o último ano em que a comparação entre municípios e países pode ser feita.
Com apenas suas cidades olímpicas, o Brasil seria o primeiro da lista dos países de médio desenvolvimento e ficaria a só 0,003 do índice de alto desenvolvimento -tinha no geral 0,757 em 2000.
O Brasil da Olimpíada só é mais parecido com o país real nas modalidades mais populares e com custos mais baixos.
Na equipe de atletismo, 54% têm origem em cidades de alto desenvolvimento (na delegação, o índice é de 74%).
É do futebol a atleta de origem mais pobre -a meia Marta, da alagoana Dois Riachos, cidade com um índice de 0,547, marca inferior até a registrada por alguns países africanos.
Já no tênis, o Brasil tem Gustavo Kuerten, de Florianópolis, cidade com o quarto melhor IDH-M do país, Flávio Saretta, de Americana, que aparece no 69º lugar, e André Sá, de Belo Horizonte, 71ª colocada na lista.
Uma curiosidade: o município de melhor IDH-M do Brasil, São Caetano, treina hoje vários atletas olímpicos, sobretudo do judô e do atletismo. Mas nenhum representante do Brasil em Atenas nasceu na cidade do ABC paulista.
Porém se engana quem supõe que uma boa posição no IDH se reflete automaticamente no quadro de medalhas. Em Sydney-2000, a Rússia terminou em segundo lugar, enquanto apareceu na 60ª posição no ranking da ONU do mesmo ano. A China foi a terceira nos Jogos -e 96ª em desenvolvimento humano.
Exemplo mais emblemático foi o de países africanos paupérrimos, como Etiópia e Quênia. O primeiro, que ficou em 20º lugar no quadro de medalhas, à frente de nações como Dinamarca e Canadá, figurou como um dos últimos no IDH (168º). Já os quenianos, em 134º no IDH, acabaram a Olimpíada na 29º colocação.



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