|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Andar de cima" domina o Brasil que desafia Atenas
Três quartos da delegação nacional nasceram em cidades com IDH superior à média do país
GUILHERME ROSEGUINI
ROBERTO DIAS
ENVIADOS ESPECIAIS A ATENAS
PAULO COBOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Ginástica e uma partida de tênis
pela manhã. Depois, uma visita a
seu restaurante, para resolver burocracias. À tarde, uma rápida
passagem pela confecção de roupas da mulher antes de levar o
barco ao mar para os treinos.
Em sua Niterói (RJ), Marcelo
Ferreira construiu uma vida tranqüila, negócios e uma carreira esportiva que pode culminar, em
Atenas, com mais uma medalha
olímpica, a segunda.
"Já morei nos EUA e na Itália,
mas é aqui que gosto de ficar. Tem
a minha cara", diz ele.
Não é por acaso. Niterói é a cidade brasileira de terceiro maior
IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano), padrão adotado pela
ONU para avaliar a qualidade de
vida no mundo, com base na expectativa de vida, no nível educacional e na renda per capita.
Na cidade do litoral fluminense
também nasceram a jogadora de
vôlei Valeskinha, que vai à primeira Olimpíada, e a mãe dela,
Aída dos Santos.
A ex-atleta é dona do melhor resultado de mulheres brasileiras
no atletismo na história dos Jogos:
ficou em quarto lugar no salto em
altura em Tóquio-1964.
De certa forma, Ferreira e Valeskinha são a cara do Brasil que vai
competir na Olimpíada que começa nesta semana na Grécia:
uma delegação que em sua maioria nasceu em cidades com habitantes mais instruídos, mais longevos e de renda mais alta.
Olímpico x real
O resultado disso é que o país
manda às quadras, piscinas e
campos sua faceta elitista, algo
distante de sua realidade.
Quase três quartos da delegação
nasceu em cidades que têm IDH-M (o equivalente municipal do
IDH) igual ou superior a 0,800
-o piso que a ONU estabeleceu
para indicar alta qualidade de vida. A conta exata: dos 246 atletas
nacionais, 182 vieram de cidades
que se encaixam nesse perfil.
Para ter idéia do tamanho da
disparidade entre o Brasil olímpico e o Brasil real, basta saber que
só 37% da população mora em cidades de alta qualidade de vida.
Mesmo somados os 64 atletas
que não nasceram em cidades de
alto desenvolvimento, o Brasil
olímpico teria um IDH de 0,797.
Tal desempenho faria o país subir
do 73º posto para o 54º no ranking dos países de 2000, o último
ano em que a comparação entre
municípios e países pode ser feita.
Com apenas suas cidades olímpicas, o Brasil seria o primeiro da
lista dos países de médio desenvolvimento e ficaria a só 0,003 do
índice de alto desenvolvimento
-tinha no geral 0,757 em 2000.
O Brasil da Olimpíada só é mais
parecido com o país real nas modalidades mais populares e com
custos mais baixos.
Na equipe de atletismo, 54%
têm origem em cidades de alto desenvolvimento (na delegação, o
índice é de 74%).
É do futebol a atleta de origem
mais pobre -a meia Marta, da
alagoana Dois Riachos, cidade
com um índice de 0,547, marca
inferior até a registrada por alguns países africanos.
Já no tênis, o Brasil tem Gustavo
Kuerten, de Florianópolis, cidade
com o quarto melhor IDH-M do
país, Flávio Saretta, de Americana, que aparece no 69º lugar, e
André Sá, de Belo Horizonte, 71ª
colocada na lista.
Uma curiosidade: o município
de melhor IDH-M do Brasil, São
Caetano, treina hoje vários atletas
olímpicos, sobretudo do judô e do
atletismo. Mas nenhum representante do Brasil em Atenas nasceu
na cidade do ABC paulista.
Porém se engana quem supõe
que uma boa posição no IDH se
reflete automaticamente no quadro de medalhas. Em Sydney-2000, a Rússia terminou em segundo lugar, enquanto apareceu
na 60ª posição no ranking da
ONU do mesmo ano. A China foi
a terceira nos Jogos -e 96ª em
desenvolvimento humano.
Exemplo mais emblemático foi
o de países africanos paupérrimos, como Etiópia e Quênia. O
primeiro, que ficou em 20º lugar
no quadro de medalhas, à frente
de nações como Dinamarca e Canadá, figurou como um dos últimos no IDH (168º). Já os quenianos, em 134º no IDH, acabaram a
Olimpíada na 29º colocação.
Texto Anterior: Painel FC Próximo Texto: Elevador Índice
|