São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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Vaquinha manda Alagoas a Atenas

Cidade mais pobre do mapa olímpico, Dois Riachos paga ônibus e salva o futebol de Marta

Pablo de Luca/"Tribuna de Alagoas"
Tereza Vieira de Sá, 58, mostra foto da filha Marta, que deixou Dois Riachos para brilhar no futebol sueco e na seleção olímpica


MAURO ALBANO
DA AGÊNCIA FOLHA

O maior apoio para a carreira da meia Marta Vieira da Silva, da seleção feminina de futebol, partiu da pequena Dois Riachos, cidade com cerca de 12 mil habitantes no interior de Alagoas, onde ela nasceu. O incentivo não veio da prefeitura, mas da comunidade local.
Foram os parentes e amigos de Marta que decidiram, quando ela tinha 16 anos, fazer uma vaquinha para comprar uma passagem para o Rio. Se ficasse na cidade, seu talento seria desperdiçado.
Marta "apareceu" no Vasco e hoje, aos 18 anos, joga no Umea IK, da Suécia. É a única atleta olímpica de Dois Riachos, mais pobre município a enviar um representante para Atenas -tem IDH de 0,547 e 11.391 habitantes.
Na cidade a 182 km de Maceió, boa parte da população pára para assistir na TV ao noticiário sobre a Olimpíada. Quer saber sobre a mais famosa filha da cidade.
A família de Marta conta que ela começou a jogar bola aos 6 anos, com primos e meninos da rua, nos campos de terra do bairro.
"Não existia estrutura. Quando a gente juntava umas meninas, jogava na rua. Ou ia com os meninos mesmo", contou Marta.
A família não gostava de ver a garota na rua com os moleques, mas, aos poucos, teve de ceder.
"Ela falava: "Eu gosto de jogar, meu destino é jogar bola'", afirmou Tereza Vieira de Sá, 58.
Segundo a mãe da jogadora, Marta dizia que ia para a escola e voltava suja de terra. "Ela passava o dia todo jogando."
A atleta estudou até a 5ª série do ensino fundamental.
Dois Riachos, que tem a base econômica na agropecuária, recebeu sua primeira biblioteca em março neste ano. O acervo tem aproximadamente 900 livros.

Picolés
A mãe e os dois irmãos mais velhos eram radicalmente contra a idéia de Marta praticar futebol.
"A gente era muito pobre, não tinha recursos para ela se dedicar só ao esporte", afirma Tereza. Os pais da jogadora são divorciados e moram em cidades diferentes.
A atleta vendia picolés na feira para comprar meias e shorts. Começou a jogar no clube local, o CSA (batizado em homenagem ao time homônimo de Maceió), que não tinha equipe feminina.
"Levávamos a Marta para jogar contra times de outros municípios, e a torcida adorava. Ela costumava sair um pouco antes do final da partida, para evitar que se machucasse, e a torcida gritava para ela voltar", afirma José Roberto Soares de Souza, 35, primo de Marta e presidente do clube.
Foi Souza, que trabalha como segurança da agência do Banco do Brasil na cidade, quem fez os contatos e organizou a vaquinha para enviar a menina ao Rio.
"Um amigo do gerente do banco era olheiro de clubes do Rio, e eu pedi para que ele o trouxesse para Dois Riachos."
Em 2001, Marta foi artilheira juvenil do Brasileiro. No ano seguinte, ganhou o prêmio de revelação do Mundial sub-19. Em 2003, venceu o Pan de Santo Domingo com a seleção principal. Antes de ir para a Suécia, ela atuava no Santa Cruz (MG), onde recebia ajuda de custo de R$ 200.
No mês passado, a volante visitou Dois Rios, foi recebida com faixas e doou R$ 3.000 ao CSA.
"Ninguém nunca ouviu falar de Dois Riachos. Até o COB errou o nome da cidade. No guia para a imprensa, colocaram Francisco Pacheco, que eu nem sei onde fica", disse Marta. "Não me ofendo quando as pessoas dizem que não conhecem a cidade. Tenho é orgulho de dizer que vim de lá."


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