São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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ATENAS 2004

Doug Beal, mentor do time que reinou há 20 anos, diz que Bernardinho faz atletas acreditarem que podem

Vôlei do Brasil intriga "mago" dos anos 80

LUÍS CURRO
EDITOR-ASSISTENTE DE ESPORTE

O segredo do sucesso do Brasil de Bernardinho está na cabeça.
A opinião é de Doug Beal, o treinador que revolucionou o vôlei nos anos 80 ao introduzir a especialização na modalidade.
Com Karch Kiraly, Craig Buck, Steve Timmons e Pat Powers, entre outros, cumprindo funções específicas, Beal montou a equipe que conquistou a inédita medalha de ouro para os EUA na Olimpíada de 1984, em Los Angeles.
Isso nos primeiros Jogos que a seleção masculina do país disputava em 16 anos -não conseguiu vaga para Munique-72 e Montréal-76 e boicotou Moscou-80.
Praticamente imbatível, a equipe ainda conquistou o Mundial-86 e o bi olímpico, em Seul-88.
Para Beal, a excelência da seleção brasileira deve-se ao fato de atuar sempre com o máximo de intensidade, e isso já há alguns anos -algo quase impossível de se atingir no vôlei, segundo o americano de 57 anos que estará em Atenas pela terceira vez à frente do time de seu país nos Jogos.
E Bernardinho, afirma ele, é o responsável por imbuir na mente de cada pupilo a capacidade de superação dia a dia. "Ele convenceu os atletas de que podem jogar no ápice o tempo todo, sem queda de rendimento. É o único time no mundo que faz isso atualmente."
Nesta entrevista à Folha, Beal, chamado de "mago" pela metamorfose que executou, faz um paralelo entre o Brasil-04 e os EUA-84, diz que o levantador Ricardinho é o atleta mais importante hoje no vôlei e diz como pretende derrotar os brasileiros em Atenas -se enfrentarão na fase inicial.

Folha - O que mudou no vôlei desde Los Angeles-84?
Doug Beal -
Quase tudo. Os jogadores são mais altos, mais fortes, mais rápidos. O jogo também é mais rápido, pois agora há o sistema de rali [acabou a vantagem, e toda bola no chão é ponto]. Há o líbero. Mais que isso, há o saque viagem, agora dominante. O saque, a importância dele, muda o jeito de você treinar. Gastamos até 30% do tempo praticando saque e recepção, muito mais que antes.

Folha - Quais suas impressões sobre a Liga Mundial deste ano?
Beal -
O Brasil foi fantástico, não perdeu de ninguém. Não há dúvida de que é o melhor time neste momento e que vai para Atenas como favorito ao ouro. Não sei se a diferença para os outros times é tão grande, até porque o sistema de pontuação impede que isso ocorra, mas o Brasil tem sido o melhor há dois, três anos. O número um. Boa recepção, bom serviço, boa defesa, boa preparação de jogadas. Além disso, todos os atletas têm habilidade para cumprir bem todos os fundamentos.

Folha - O que dizer sobre o técnico Bernardinho?
Beal -
Está fazendo um trabalho muito bom, talvez o melhor, no sentido de convencer os jogadores de que eles podem jogar com o máximo de intensidade o tempo todo. O Brasil é hoje o único time no mundo que, mesmo que perca um set, ou mesmo que venha a perder uma partida, joga sempre no ápice, não há queda de rendimento. Isso é algo que explica o porquê de o Brasil estar jogando tão bem: a habilidade do treinador de motivar seus jogadores dia após dia, de tirar deles sempre o máximo. Bernardinho tem feito isso melhor que ninguém.

Folha - Já falou com ele?
Beal -
Muitas vezes. Conheço-o desde que era jogador, já esteve em minha casa. Tem uma leitura muito boa do jogo, acredito que tenha quase as mesmas características que Bebeto [de Freitas, técnico prata em Los Angeles-84].

Folha - Em sua opinião, quem é o melhor jogador do mundo?
Beal -
É difícil dizer, teria que analisar cada posição. Mas o jogador mais importante é o levantador brasileiro, Ricardo. Consegue sempre, mais do que qualquer outro no mundo, deixar o time em condição de "matar" a jogada. Distribui a bola como ninguém.

Folha - Há algum segredo para passar pelo Brasil em Atenas?
Beal -
É preciso sacar muito bem e ter muita paciência, pois eles têm sempre uma performance ofensiva muito boa. E o bloqueio tem que funcionar, ser disciplinado. Paciência e disciplina são as chaves para vencer o Brasil.

Folha - Seu time já superou o de Bernardinho, no Mundial-02.
Beal -
Foi no início do torneio... Naquele jogo estivemos muito bem. Temos um bom grupo, que, se jogar no ápice, pode estar entre os melhores. O difícil é jogar num alto nível com regularidade.

Folha - O que o sr. guarda do ouro olímpico de 1984?
Beal -
O grupo que eu tinha era sensacional. E consegui torná-los os melhores, fazê-los crescer. Foi árduo, e trago comigo algo fundamental daquele time: eles lutavam a cada dia, a cada treino, como se estivessem disputando a medalha de ouro. Por muitos anos, aquele time não teve uma apresentação ruim. Até perdia ocasionalmente, mas nunca jogava mal. Para vencer, o oponente tinha que fazer uma partida excepcional. É a marca de um grande time. Talvez seja o que esteja acontecendo hoje com o Brasil, talvez...


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